- Sinto muito, dona Aparecida, a situação da senhora na escola está irregular - finalizou a inspetora ao checar os documentos do quadro de funcionários. - A senhora de meia-idade, à minha frente, baixou a cabeça e não conteve as lágrimas. Ela amava o que fazia, mas as delícias culinárias com que seduzia os alunos, não a livravam do fantasma do desemprego: como milhares de outros brasileiros, não tinha conseguido concluir o antigo "quarto ano de grupo". Dona Aparecida sabia ler. Contou-me que lia a Bíblia sem errar uma palavra e entendia tudinho. Também era boa nas quatro continhas. Mas não tinha diploma, o que a tornava invisível perante às exigências do cargo que ocupava. Propus-me a estudar com ela para que concluísse o curso primário. Estudávamos todos os dias, após o expediente. Já nas primeiras aulas, fiquei impressionada com a facilidade que ela tinha para aprender. Em alguns meses, julguei-a preparada para o “exame”, como ela mesma dizia, e marquei as provas. Nunca me esquecerei do dia em que cheguei para trabalhar, e, chorando de emoção, dona Aparecida veio me contar que tinha “fechado as provas”, mostrando-me orgulhosa o certificado que lhe abria as portas para a dignidade e a garantia do pão de cada dia: agora sim, nossa talentosa rainha da cozinha era oficialmente visível aos olhos da sociedade.
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