República é a forma tripartite de poder que emana do povo (através do voto) e em nome dele é exercida. Legislativo, Executivo e Judiciário são os seus três poderes que, segundo o artigo 2º da Constituição de 1988, são “independentes e harmônicos entre si”. Não é a percepção do que ocorre atualmente em nosso País. A Carta Magna e o ordenamento jurídico dela decorrente estabelecem os direitos e deveres dos ocupantes dos três poderes que, para a saúde do regime têm de ser rigorosamente observados e exercidos. Desde sua proclamação, em 1889, a República brasileira já sofreu muitos trancos. Seu proclamador e primeiro presidente, Deodoro da Fonseca, foi obrigado a renunciar ao tentar governar de forma autoritária. Sucessores dele fizeram o mesmo e, pelo menos em duas épocas definidas - em 1930 e 1964 - a Constituição foi desconsiderada. Somados os dois períodos, passamos 36 anos em estado de exceção. Mas a República não melhorou. A falta (ou excesso) de resolutividade dos titulares dos três poderes é a grande responsável pelo desequilíbrio. Começou pelos parlamentares que, incapazes de finalizar suas questões dentro de suas casas legislativas, passaram a recorrer ao Poder Judiciário para mudar decisões que não conseguiram pelo voto. O mau hábito - de não assumir a responsabilidade do poder - se alastrou e hoje toma conta da política nacional, estadual e até municipal onde, em vez de terminar no Poder Legislativo, as leis são questionadas no Judiciário. Mais recentemente, quando a polarização política aumentou e começaram a proliferar os pedidos de impeachment do presidente da República e de ministros dos tribunais superiores, o Poder Legislativo vem falhando. Em vez de colocar os requerimentos em discussão e votação - conforme determina a Lei nº 1079, de 10 de abril de 1950 - os presidentes da Câmara e do Senado os engavetam para, talvez, tê-los como moeda de troca e instrumento de negociação política. A partir de então, os pedidos de afastamento de autoridades, com ou sem razão, tornaram-se ferramentas de desgaste político do adversário. Pior ainda foi a postura do Senado que obedeceu a determinação do Supremo Tribunal Federal, instalando a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid, que começou como investigação e terminou parecida a espetáculo circense. Igualmente deplorável a autorização que a Câmara aprovou para a prisão e processo ao deputado Daniel Silveira, rompendo a tradição de não permitir a violação da imunidade de seus membros e, quando era necessário, puni-los pelo Conselho de Ética. São dois momentos em que o parlamento brasileiro abriu mão de sua soberania, subordinando-se indevidamente ao outro poder... Com o recuo de Senado e Câmara e do próprio Executivo - que cedeu quando o STF o impediu de nomear o diretor da Polícia Federal, deu-se o passo decisivo para o Judiciário - no lugar de quadrar e interpretar a Constituição - passar também a legislar e governar. Feito ponta-de-lança, o ministro Alexandre de Moraes tem tomado atitudes inusitadas em toda a história da suprema corte, como os inquéritos onde é vítima, autor investigador e julgador, definido pelo seu colega, ex-ministro Marco Aurélio, como “inquérito do fim do mundo”. Precisamos reequilibrar a nossa República. O Legislativo e o Executivo têm de exercer integralmente suas responsabilidades e o Judiciário ater-se às próprias atribuições. Quando chegarem pedidos de impeachment, os presidentes da Câmara e do Senado têm de colocá-los em tramitação e convocar, para decidi-los, os deputados e senadores, que são os legítimos representantes do povo. Só assim aquelas casas legislativas poderão gozar do respeito tanto do presidente da República quanto dos ministros e procuradores das altas esferas e da Nação. Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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