O bem-te-vi não é, como certas pessoas, arisco. É um pássaro visitador. Todas as manhãs, pontualmente, ele me acorda, com bicadas na vidraça, como que se quisesse avisar que o Sol já tinha nascido; e a natureza, despertada. E eu, natureza, por que continuar dormindo? Bate as asas, mostrando suas penas pretas e amarelas. Há bichos que têm medo do homem; e homens, que têm medo dos bichos. Quem, por primeiro, defender-se-ia? Acredito que os bichos, a humanidade se comporta como principal ameaçadora, tencionando certa perversidade contra a natureza. A esse respeito, o bem-te-vi é de boa índole; acha acolhedora a varanda da minha casa, como se fosse também sua, já fazendo, habitualmente, sua visitação inicial, diariamente. Não sei o que ele pensa de mim. Contudo, pergunto-me sobre a predileção pela minha janela. Perco a conta das bicadas que são dadas no vidro. Talvez seja uma linguagem que eu ignore e não compreenda. Talvez pense ele encontrar-se com outro bem-te-vi, espelhado no vidro da janela, e eu, enganado, tomo para mim a sua vinda. Li a triste notícia que alguns pássaros veem os vidros transparentes, mas não sabem que não podem ultrapassá-los. E quando voam em velocidade, objetivando árvores, galhos e frutos, enganados, chocam-se contra a rigidez do vidro, caindo machucados no chão. É, nem todos os vidros são espelhos... Coisas, como nas nossas vidas, acontecem e são efêmeras, das quais distingo o prazer. Aliás, uns prazeres são, ilusoriamente, menos passageiros. Mas se assim não fossem, não seriam prazerosos, tornar-se-iam monótonos, e constantemente uma coisa só. Esse bem-te-vi é uma ave quase calada, olha-me pelo olho direito, virando a cabeça para ver-me também pelo esquerdo. Canta apenas quando chega, e canta quando sai, num discreto bater de asas, que faz parte, ritualisticamente, do seu imponente voo. Comparando-o com os barulhentos aviões, ele produz a beleza do silêncio, que entorna delícia espiritual. São os pássaros as maravilhas da criação. Se alguns se irritam, ao se defenderem, é quando eles endurecem, mas com ternura. Confesso que o místico que sempre procuro não acho no invisível, percebo-o nessas coisas e no quotidiano que nos aparecem como espelhos de Deus. Em Confissões, de Santo Agostinho, existe o poema que não fala dos pássaros, mas pelo tema eles se incluem, voando nos versos sobre a beleza: “Perguntei à Terra, perguntei ao mar e às profundezas, entre os animais viventes, às coisas que rastejam. Perguntei aos ventos que sopram, aos céus, ao Sol, às estrelas, e a todas as coisas que se encontram às portas da minha carne... Minha pergunta era o olhar com que as olhava. Sua resposta era a sua beleza”. Seja como for, também admiro a beleza desse bem-te-vi, perto de mim e em voo. Assim, há cenas que se destacam nas nossas vidas. Se sua visita é quotidiana, com certeza, ocorrerá o bom senso alvissareiro, neste próximo Domingo, quando votaremos para Governador e para Presidente. Tal bom senso, fruto da experiência, observando o histórico de cada um, não elegerá ninguém indiferente à fome que o povo não quer, nem tampouco o que causa galopante crescimento de indesejável pobreza. Observe-se que o bem reconhecido é o bem perdido... Nesse sentido e nesse contexto, nenhum mal político é maior do que perder a oportunidade de votar, resta-me esperar que o bem-te-vi me acorde nesse dia.
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