Há determinados chavões, repetidos de forma exaustiva, que maliciosamente encobrem uma montoeira de maus hábitos que são zelosamente cultivados por nós. Um desses chavões, sem dúvida alguma, é a palavra “crítica” que, literalmente, é usada para tudo, inclusive, se duvidar, como supositório, menos, infelizmente, para indicar aquilo que ela de fato se refere. Dito isso, troquemos em miúdos: uma crítica, antes de qualquer coisa, é um ato de apreciação. Aliás, como bem nos lembra Nicola Abbagnano e José Ferrater Mora, se formos procurar a origem da referida palavra, iremos constatar que a dita cuja vem do grego e se refere, especificamente, a capacidade de emitir julgamentos, de separar e classificar situações, de selecionar problemas e propor soluções para os mesmos, de peneirar miudezas e grandezas, de distinguir valores e assim por diante. Ou seja, o ato de criticar seria algo que, na maioria absoluta das vezes, nada tem que ver com essa mania, compulsiva e inconsequente, de querer bater-boca, lacrar, cancelar e demais tranqueiras similares que tanto abundam em nossa sociedade. Por essa razão que para agirmos, de fato, de forma crítica, seria imprescindível que tivéssemos uma boa dose de paciência, um bom tanto de atenção e que fôssemos capazes de dar o benefício da dúvida frente a todas as informações que batem nas portas da nossa percepção. E tem mais! É imprescindível que sejamos capazes de ver as mais variadas situações e circunstâncias, que acabam se tornando objeto de nossa apreciação, a partir de várias perspectivas para que, deste modo, o juízo que for emitido por nós possa ir além do óbvio gritante e, é claro, que ele não vá muito longe, indo parar junto das interpretações ideologicamente delirantes. Pois é, fazer isso não é fácil. É um trem que dá um trabalho da moléstia e, se formos sinceros conosco mesmo, iremos constatar que, infelizmente, na maioria das vezes, quando vemos uma turba digital se vangloriando de que [supostamente] está desossando algo ou alguém com suas “opiniões críticas”, na verdade, bem na verdade, a única coisa que estaria sendo feita por essa trupe é uma tremenda evacuação cerebrina, ou algo similar. Uma situação que frequentemente acontece - e que é tremendamente representativa desse tipo de estado de espírito - é aquela onde o sujeito acessa uma rede social, vê o enunciado de uma notícia, de um artigo ou de algo desse naipe e, sem parar para ler o texto - com a intenção de entendê-lo - o sujeito, sem pestanejar, liga a maquininha de evacuar "palavras de ordem" e "cacoetes mentais" com os dedos e, crendo ser um membro da "resistência", coloca-se a comentar aquilo que ele detestou sem ter conhecido e, principalmente, sem ter parado para pensar e refletir a respeito do que ele está fazendo naquele momento. Para infelicidade geral do sistema solar, tal atitude é mais frequente do que gostaríamos de admitir. Invariavelmente, os pontos expressos nas seções de comentários de uma publicação, apresentam claramente o quão grande é o número de indivíduos que desprezam o conhecimento com toda a força do seu ser [revoltado]. Ora, não há nada de errado em discordarmos uns dos outros. Não mesmo. Porém, para podermos discordar de qualquer coisa é imprescindível que primeiramente procuremos, com sinceridade e boa vontade, compreender o que está sendo dito pelo outro, não é mesmo? Se nós discordamos de algo que não procuramos compreender, nós não estamos discordando, mas apenas e tão somente, afirmando outra coisa com toda a superficialidade e leviandade do nosso ser e, ao mesmo tempo, fazendo pouco caso de algo que não conhecemos, que nos recusamos conhecer e, é claro, que temos um tremendo ódio [do bem] daqueles que têm a petulância de querer conhecer. Abre parênteses: Sim, há casos em que o caboclo faz verter toda a sua raivinha crítica e, passados alguns minutinhos, lá vai ele para deletar aquilo que digitou, ou para editar o dito que fora digitado, retirando aquilo que considera uma dose excessiva de bile. Pois é, venhamos e convenhamos: tal atitude já é um avanço, pequenino, sim, mas já é alguma coisa. Fecha parênteses. Doravante, por essa razão que as ideologias políticas, com suas plumas retóricas e paetês propagandísticos, acabam tomando com facilidade o lugar da consciência das pessoas que se entregam a esse tipo desfrute. Detalhe importante: para não terem de admitir que estão sendo instrumentalizadas, tais figuras, tremendamente "críticas", preferem tão só e simplesmente dizer, para elas mesmas e para seus pares, que não estão sendo manipuladas, de jeito maneira, mas sim, que elas estão integrando uma vanguarda, que exerce uma forma alternativa e emancipatória de consciência: uma “consciência crítica”. Não é à toa que a inquietude e a insensatez nestas almas torna-se a regra. Desassossegados, não podem parar para refletir porque não querem perder tempo agindo com paciência e prudência, duas virtudes tão necessárias para o exercício da [como direi…] “criticidade raiz” e, por esse motivo, tais figuras, provavelmente, irão continuar por muito tempo reagindo com o fígado, de forma incontida, irrefletida e epidérmica ao pouco que leem, pouco este que é feito de forma leviana, apressada e maldosa. Por isso, penso que além de ser mais producente, seria uma atitude minimamente decente, pararmos de nos ufanar da criticidade que nunca cultivamos para, com humildade, lermos com atenção e boa vontade tudo aquilo que, de forma impensada, termina muitas vezes virando alvo de nossa sanha de militante “fevoso”, integrante das hostes da assembleia da inconsequência geral, revolucionária e enjoativamente "crítica". É isso. Fim de causo. Hora do café, preto e sem açúcar.
Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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