Monteiro Lobato, muito conhecido entre nós por conta das aventuras do Sítio do Pica-pau Amarelo, era uma dessas figuras raras que, de tempos em tempos, aparece na história de uma sociedade e alumia os seus patrícios com a presença do seu trabalho. Detalhe tão importante quanto triste: o taturana é muito mais conhecido por essa obra de sua lavra, não porque ela tenha sido lida por nós, mas porque acabou sendo adaptada várias vezes para a televisão. Não apenas isso. Grande parte das pessoas desconhece por completo todas as demais obras que ele havia escrito e bem como todas as demais atividades que ele havia empreendido em sua vida que, diga-se de passagem, nada tinha que ver com literatura infantil adaptada para televisão. Em suas obras, que não eram voltadas para gurizada, uma das coisas que ele procurava chamar a atenção dos seus contemporâneos, era para a visão tacanha que nossas elites - política, econômica, cultural e intelectual - tinham dos problemas brasileiros e, é claro, para a tremenda falta de imaginação e vontade que estes tinham para procurar uma solução para os perrengues que assolavam as municipalidades brasileiras. Um bom exemplo do que fazia o velho Lobato ficar Boitatá da vida, era a mentalidade mesquinha das lideranças políticas locais, do interior desse Brasil varonil, que viam no Paço e na Câmara Municipal não uma ferramenta, um instrumento para dinamizar projetos que fossem de interesse comum, mas sim e tão somente, como uma espécie de investidura mambembe que desse uma imagem [artificiosa] de importância para a figura de suas pessoas insossas, dando forma e vida àquele tipo humano que adora dizer, quando contrariado: “você sabe com quem está falando"? Parênteses: juro que, muitas vezes, dá vontade de responder. Os anos passaram e, graças ao bom Deus, muitos municípios conseguiram se libertar dessa praga, tomaram tento e começaram a trilhar um caminho bem diferente. Um caso interessante é o município gaúcho de Gramado que, atualmente, conta com uma população de aproximadamente 36.864 pessoas e, juntamente com o município vizinho, Canela - que é tão pequeno quanto o primeiro - podem ser vistos como modelos de cidades interioranas que procuraram romper com a visão torta que desorienta inúmeros municípios de nosso país. Se, por exemplo, pararmos para pensar que o Festival de Cinema de Gramado, que este ano está indo para sua quinquagésima edição, é realizado num pequeno município no interior do Rio Grande do Sul, é algo que deve nos fazer matutar seriamente sobre o que nossas elites e lideranças locais deixam de fazer por nossos pagos. Não apenas isso. Se vermos as fotos das primeiras edições do referido Festival de Cinema, veremos que os gramadenses não dispunham nem mesmo de uma sala apropriada para realizar a exibição dos filmes (as cadeiras eram aquelas de plástico com pernas de metal, muito comuns nos bares e refeitórios dos anos 70) e, mesmo assim, eles deram início ao projeto que hoje é o que é: um legítimo símbolo de orgulho nacional. Com toda certeza, o empreendimento desse projeto foi um ato não apenas de visão, mas também, de grande ousadia. Também foi um ato de ousadia a construção, nos anos 50, na cidade de Canela, da Igreja Matriz de Nossa Senhora de Lourdes, que foi idealizada pelo cônego João Marchesi. Em 1953, com o projeto do arquiteto Bernardo Sartori, as obras foram iniciadas e, apenas em 1987, foram finalizadas. Igreja que hoje atrai inúmeros fiéis e turistas, por conta da beleza da sua arquitetura e pelo show de luzes que é realizado em sua fachada. Detalhe importante: em agosto de 2010, a Igreja Matriz de Nossa Senhora de Lourdes foi eleita como sendo uma das Sete Maravilhas do Brasil e, em 2016, ficou entre as 10 melhores atrações turísticas do nosso país. Juntos, atualmente, os dois municípios, nas palavras dos seus próprios moradores, são verdadeiros parques temáticos com atrações para todos os públicos e para todos os gostos, recebendo visitantes de todo o Brasil, do exterior e, o que realmente impressiona, é que Gramado e Canela estão localizados no interior do Estado gaúcho, cujo o acesso não é fácil, contando com uma população pequena e [abracadabra!!!], mesmo assim, eles fizeram acontecer. É claro que, mais do que depressa, ao apontarmos esses dois casos de sucesso, surgirão aqueles que, sem pestanejar, irão dizer: “mas também...”, e esse "mas também", com toda certeza, será seguido daquele rosário de desculpas furibundas em misto com impropérios sem fim, para justificar o injustificável, para não admitir que em boa parte dos municípios, inclusive no nosso, temos muitas coisas para aprender e, principalmente, para corrigir, se não quisermos terminar como um retrato tardio e mal acabado da obra “Cidades Mortas” de Monteiro Lobato. É triste termos de ouvir - como já ouvi, numa conversa informal, da boca de um ex-secretário e, noutra ocasião, da goela de um vereador - que nosso município não tem futuro, que não há nada que se possa fazer por esse lugar e blablablá. Meu Deus! Como isso é triste E o pior é que muitos municípios brasileiros são governados por figuras com esse perfil que, lamentavelmente, na melhor das hipóteses, querem apenas ocupar um cargo, ou uma sinecura, para poderem parecer que têm alguma “importância”, para que possam sentir que têm alguma “distinção”, pouco se importando se tal simulacro de “altivez”, que os faz se sentirem “legalzinho”, acabe, cedo ou tarde, custando a condenação do futuro de todo o município ao atraso só para que eles possam satisfazer os seus desejos tão rasteiros quanto egolátricos. Ah! Sim, claro que há hipóteses piores, bem piores, mas é melhor nem comentar.
Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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