Lembro-me do distante 1974, quando fui ao lançamento do livro “Da Democracia que temos para a democracia que queremos”, de autoria do então senador Franco Montoro, estrela política do momento, à época senador pelo MDB, que ainda renovaria o seu mandato e depois, em 1982, seria governador de São Paulo, o primeiro eleito diretamente na dita redemocratização. Comparando a esperança que o então experiente parlamentar inseria em sua obra e o momento em que hoje nos encontramos, sou levado a acreditar que algo deu errado. Temos a Constituição, em vigor há 34 anos, já emendada 125 vezes e não conseguimos vislumbrar uma solução para a insana queda de braços que coloca em bestial rota de colisão as forças políticas e - o pior - as instituições do Estado. Como paralelo, lembremos que a Constituição dos Estados Unidos, de 230 anos, até hoje, foi emendada só 27 vezes. Incomoda a postura dos políticos que constroem suas narrativas através de meias-verdades e com isso tentam enganar o povo. Também são inaceitáveis os movimentos de ação (ou omissão) de titulares ou membros dos poderes constituídos, que saem de seus quadrados para invadir seara alheia. Se todos apenas cumprissem seus deveres de ofício, o momento poderia ser mais alentador. Mas não é. Incomodam e fragilizam a segurança da sociedade as incursões dos ministros dos tribunais superiores em questões políticas ou legislativas. Escandalizam o senso popular as omissões do Parlamento aos pedidos de impeachment protocolados no Senado (contra ministros do STF e o titular a PGR) e na Câmara dos Deputados, contra o presidente da República. Em vez de engavetá-las, os presidentes daquelas Casas deveriam tê-las colocado em votação para, de imediato, resolver a questão. Tivessem agido dessa forma, não haveria a avalanche de pedidos de afastamento e todos os envolvidos se cuidariam melhor. Colocar o pedido em votação não quer dizer que o alvo sofrerá impeachment, mas em não sofrendo a punição, ficará em condições de, na retorsão, processar e até exigir reparação do autor da petição inglória. Os constituintes produziram em 1987 e 88 uma Constituição de viés parlamentarista. Mas não tiveram força para derrotar o presidencialismo, vigente no país desde o advento da República. A partir daí começaram as dificuldades e emendas constitucionais, muitas delas para atender a interesses de grupos ou de segmentos políticos ou institucionais. Um dos maiores problemas foi a admissão da reeleição para cargos executivos (Emenda Constitucional nº 16). O presidente da República, governadores e prefeitos foram autorizados a concorrer a um segundo mandato sem se afastar do cargo. Aí acontecem coisas como as que Jair Bolsonaro está enfrentando hoje, quando a Justiça Eleitoral proíbe o uso em campanha de seu discurso na ONU ou da presença ao funeral da rainha da Inglaterra, ações que realizou como chefe de Estado. A Constituição não prevê essa situação, porque na sua elaboração não havia a reeleição no Executivo. Fernando Henrique, Lula, e Dilma, que concorreram à reeleição, não foram impedidos com o rigor que hoje se aplicar ao presidente-candidato. Outro complicador hoje colocado à mesa é o do ativismo político de ministros das cortes superiores, que são nomeados pelo presidente da República e, na visão dos atingidos por suas decisões, agem em favor de quem os nomeou. A proposta mais insistentemente colocada é que os futuros ministros sejam admitidos por concurso público realizado entre magistrados, procuradores e advogados, sem a indicação do Chefe do Executivo e nem a sabatina ou anuência do Senado, como ocorre atualmente. Isso livraria os futuros titulares das desconfianças de vinculação política ou até de agradecimento ao favor da nomeação. É preciso evitar que o Judiciário caia no mesmo descrédito que hoje atinge o Legislativo. O ambiente político-institucional indica que ainda teremos um longo caminho para chegar à almejada democracia estável. Salvo melhor juízo, tudo deveria começar por uma ampla reforma constitucional, para resolver as esquisitices que os interesses dos diferentes momentos vividos na Nação introduziram ao texto parlamentarista de 1988. A Constituição tem de conter a normatização da realidade do Estado mas, infelizmente, a atual está distante disso enseja as desinteligências que tumultuam a vida nacional. Por isso precisa ser atualizada ou refeita e, principalmente, o novo texto retratar a realidade brasileira. Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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