Adquirir a dita cuja da disciplina é uma das coisas mais difíceis que existem na face da terra. Não importa a idade, sejamos crianças, jovens, adultos ou idosos, não são poucas as pessoas que lamentam por não conseguirem realizar algo que consideram importante para suas vidas por não serem capazes de agir com alguma retidão. Infelizmente, muito maior é o número de pessoas que procuram justificar a sua falta de disciplina - na realização de seus projetos pessoais e no cumprimento de seus deveres - projetando a culpa pela sua falta de êxito, em alguma causa externa, seja ela de ordem meramente material, ou de fundamento superficialmente sentimental. Seja como for, qualquer um desses caminhos necessariamente é inaceitável, porque a raiz da falta de disciplina que muitas vezes nos invade, e se apodera da nossa vida, é fruto de uma tremenda falta de capacidade de comprometimento da nossa parte e, a falta de empenho nada mais é do que o resultado de uma formação que não prima pelo cultivo da responsabilidade individual. Reparem que há muito tempo que, em nossa sociedade, das mais variadas formas possíveis, procura-se justificar a nossa desídia nada original com uma série de subterfúgios que, a primeira vista, até parecem ser mais ou menos sofisticados, mas que, passado algum tempo, escancaram toda a sua cafonice. Quantas e quantas vezes nós ouvimos ser dito, diante de um erro, de um fracasso, ou de uma desistência, expressões como: “a culpa não é sua”; “cada um aprende do seu jeito”; “você não precisa mudar, seja você mesmo”; “mas também...”, e por aí segue o rosário de lamentações e justificações lamentavelmente injustificáveis. Esquecemos que dentro de nós existe uma série de impulsos, desejos, ideias furadas e fundamentos tortos que, o tempo todo, estão digladiando uns contra os outros e, todos juntos, bem juntinhos, pelejam contra nós, sem parar, clamando para que nós desistamos de tudo aquilo que pode agregar algum valor em nossa vida e fortalecer o nosso caráter, antes mesmo de iniciarmos nossa jornada rumo a superação desse desafio que estamos dispostos a encarar. Creio que não são poucas as pessoas que desistiram de cultivar o hábito da leitura diária antes mesmo de pegar um livro em suas mãos, da mesma forma que não é pequeno o número de indivíduos que desistem de se entregar à prática diária de uma atividade física antes mesmo de pensar seriamente no assunto. Obviamente, cada um tem lá as suas justificativas para tal desídia, do mesmo modo que cada um apresenta para si mesmo as suas inconfessáveis lamentações íntimas, devidamente embebidas num cálice, que não cala, de rancor e inveja que, numa ciranda viciosa, nos condena a um ciclo sulfuroso de destruição de nossa vontade, de nossa alma, de todo o nosso ser. Sim, eu sei, já estou sabendo, todo mundo sabe que nós adoramos dizer para nós mesmos que não nos sentimos devidamente motivados para realizar tais empreitadas; mas, e quem disse que você precisa estar motivado para realizar algo que vai te fazer um bem danado? Motivação, meu caro Watson, é coisa de criancinha. Uma pessoa madura pauta suas decisões e ações em compromissos, firmados ao pé do altar da sua consciência e, francamente, creio que seja justamente a ausência disso que acaba por levar inúmeras pessoas [adultas] a agirem como crianças mimadas que vivem pelos quatro cantos do mundo lamentando-se diante do fato de que os outros não fazem por elas aquilo que eles mesmos deveriam fazer por si. Dito isso, penso que podemos parar de firulas e não mais nos esqueçamos que: se nós não temos o costume de realizar ao menos meia hora de leitura todo santo dia, apesar de termos aprendido a ler, é porque somos uns pulhas. Se não conseguimos nos arrastar pelas ruas para realizar nem mesmo uma caminhada de trinta minutos diariamente é porque, com toda certeza, nós desistimos de viver, apesar de estarmos nos sentindo sãos de lombo. Enfim, se não procuramos, no correr do dia, lembrar que devemos parar nossa rotina para realizar, ao menos, uma singela oração, é sinal de que o entrevero que há em nosso coração é mais severo do que seríamos capazes de admitir. E isso. Fim de papo e paremos com o lesco-lesco.
Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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