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Opinião
28/08/2022 - 06h21
A (volta da) polêmica sobre as guardas municipais
Dirceu Cardoso Gonçalves
 

A decisão da Sexta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que impede as guardas municipais de realizarem abordagens e buscas pessoais, deverá impactar a segurança pública nas localidades que ao longo dos anos organizaram e hoje mantêm suas corporações, também conhecidas como "polícias municipais". Ao apreciar o recurso de um réu surpreendido com drogas por guardas municipais, os ministros o beneficiaram com base em dispositivos da Constituição, que resumem a função do guarda municipal à "proteção de bens, serviços e instalações do seu município" e o impedem de executar tarefas análogas às das polícias estaduais (Civil e Militar).

Caem por terra, nessa sentença, as flexibilizações ao entendimento constitucional que levaram os municípios a criar milícias próprias e armá-las para atuação complementar às das polícias do Estado. A principal justificativa para a proliferação das guardas - inclusive a Guarda Civil Metropolitana de São Paulo ao tempo da última gestão do prefeito Jânio Quadros - foi a necessidade de auxiliar as polícias, já que estas não dispunham do número agentes suficiente para atender toda a demanda. Naquele tempo já havia a discussão sobre a limitação da função a proteger o patrimônio municipal e a também não usar armas. Com o passar dos meses e anos, surgiram as brechas que permitiram a chegada ao atual quadro, onde as guardas executam serviço tipicamente policial, patrulhando ruas e logradouros, abordando suspeitos e levando-os ao distrito para providências de polícia judiciária.

A evolução do quadro até a situação atual ocorreu - sem qualquer dúvida - de forma consensual entre o Estado - titular da segurança pública - e os municípios que, em busca de mais proteção aos seus cidadãos, se dispuseram a investir no setor. Há muitas propostas para o aperfeiçoamento das guardas, praticamente todas atribuindo-lhes função supletiva às polícias. A Constituição, porém, continua com o mesmo texto de sua elaboração, três décadas e meia atrás - estatuindo que o guarda municipal só pode atuar na proteção do patrimônio do município, um entendimento que já vinha de legislações anteriores. Embora constitucional, a orientação que pode prevalecer a partir do pronunciamento do STJ nos parece incondizente com o momento em que vivemos. Os Estados, permitindo a proliferação das polícias municipais, não tiveram de investir no aumento do seu próprio efetivo e os municípios, executando parte do trabalho, transmitem a sensação de segurança à sua população.

O quadro atual é diferente do vigente na época da Constituinte. Estados deixaram de investir na ampliação de suas polícias ou as redirecionaram em razão do auxilio das guardas municipais. E os municípios investiram supletivamente para atender melhor |às demandas locais. No lugar de exigir o frio cumprimento do texto constitucional, o mais prudente seria a mobilização pela reforma do dispositivo. Até porque a guarda municipal com função policial já existe e sua falta poderá causar problemas às comunidades hoje atendidas. Ao mesmo tempo, a restrição levará à ociosidade ou subutilização os guardas, que receberam treinamento para esse fim. A solução não é obra para o Poder Judiciário, mas de alçada da classe política. Governadores e prefeitos, os diretos interessados, podem (ou devem) mobilizar os parlamentares federais (deputados e senadores) e com eles articular uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que atualize o texto da Carta Magna para o momento atual da segurança pública.

Também há a alternativa de os governos estaduais encamparem as guardas municipais ou absorverem seus integrantes treinados para o serviço de natureza policial, a exemplo do que, em 1970, São Paulo fez ao fundir as antigas Força Pública e Guarda Civil e do conjunto delas criar a Polícia Militar. De tudo isso resta apenas uma certeza: o momento é de aprimorar os serviços de segurança e jamais os restringir através de um legalismo absoluto que, salvo melhor avaliação, não condiz com a atualidade...


Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).

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