Depois da chuva, na semana passada, vi um pedreiro, displicentemente, caminhando ao trabalho, na hora em que as crianças vão à escola. Com todo conforto, pisava numa poça d’água, sem molhar os pés. Parecia brincar com água nos dias de chuva. Calçava uma longa galocha amarela, brilhosa, que chamava atenção. Transportei-me para os tempos de menino, quando, muito ancho, sob um forte temporal, ia ao Colégio Nossa Senhora da Conceição, em Itabaiana, quase na extremidade da cidade. Os dias de chuva, diferentes dos outros, eram divertidos pelos banhos de biqueira. No entanto, arrumados, em limpas fardas, caminhávamos sobre o que era proibido, pisando em poça d’água, sem medo, como que andássemos sobre as águas. Não sei se antigas, mas era tempo de coisas que, atualmente, não existem mais, algumas que meninos e meninas levavam à escola. Longe, mas íamos a pé, carregando uma bolsa de plástico ou de couro, parecida com uma matula, que continha todo o material da jornada de aula: livros, cadernos, lápis grafite e de cores, um pente flamengo, borracha para corrigir os erros, uma banana ou um sanduíche de pão francês com queijo de manteiga e doce de goiabada em lata. Para arrematar, um copo sanfonado, que estirava e encolhia, ficando do tamanho de um biscoito redondo recheado. Mais sofisticado do que isso era o lápis tinta que escrevia em quatro cores, comprado nas livrarias da Capital. Antes de sair, a costumeira recomendação da mãe: “Comporte-se!”. Quando chovia, ninguém se lamentava, era a vez de uma capa de chuva com capuz e uma galocha preta, revestindo o resistente Vulcabras, de solado de borracha, para enfrentar os chutes em tudo aquilo, que estivesse no chão pela frente, de pedra a quenga ou catemba de coco. Não havia pai ou mãe que nos levasse à escola. Sem perigo, a pé, isso era responsabilidade das indefesas crianças e elas davam conta. Costume, mesmo das pouquíssimas famílias que tinham um velho carro na garagem, atrás de casa ou no quintal. Isso se tinha como invariável, daí, com esse reforço, ter virado memória. Talvez o caro leitor tenha notado, dentre suas lembranças, que quase nenhum objeto propriamente da nossa infância existe mais em suas características primitivas. E seriam essas coisas que sinalizariam retornar àqueles tempos. Ainda bem que a galocha do pedreiro estava em forma... Sem ela, coisas não existiriam mais, como até o telefone, usando-se quatro números do disco, em cima do principal móvel da casa. Se não desapareceram, sofreram mudanças ou tornaram-se melhores. Também sob a superficial e enjoosa alegação do mundo moderno: “Caíram de moda”. Embora, saudosamente, tenho escutado preferências pelo passado... Tanto a capa como a galocha continuam no mesmo formato e com igual finalidade de nos proteger da chuva, embora menos usadas, o que atinge até o guarda-chuva. Paciência, assim cada um merece a gripe que arruma. Essas são coisas fadadas, além da do pedreiro, a cabeças esbranquiçadas, encanecidas. Não somos “gente nova”, tanto é assim que lemos jornal, impresso no papel. Guardando pensamentos e lembranças daqueles tempos, revi, naquelas galochas amarelas, um mundo que havia desaparecido, inclusive a esquecida profissão de pedreiro. Mas, de repente, estranhei a associação dos antipáticos às simpáticas galochas, na desprezível expressão “chato de galocha”. São bobagens daquelas que são ditas sem razão de serem ditas. A favor da simpaticíssima lembrança, isso seria uma depreciação do significante e do significado da estimada galocha.
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