Acordou e teve dificuldade em levantar. Imaginou-se velha. Retrocedeu no tempo e avaliou o quanto de tropeços na sua vida longa e solitária... Suspirou desencantada. Sentiu que era chegada a hora de ajustar as contas consigo mesma uma vez que não havia por perto ninguém a quem cobranças fossem feitas. Foi para diante do espelho. Olhos fixos na imagem refletida. Não se reconheceu. Afastou-se lentamente, arrastando as sandálias casa adentro até alcançar a cozinha. Pôs água a ferver e esperou pacientemente essa fervura enquanto se decidia entre uma xícara de chá ou de café. Essa indecisão a fez refletir o quanto de insegura ela era. Nunca fora capaz de tomar nenhuma decisão e o que viu foi a sua vida escapar entre os dedos. Assim se foi o marido; os filhos, que sempre quis e nunca teve; os amigos. Ah, os amigos... Não soube conservá-los. A água ferveu e optou pelo café. E enquanto mexia o açúcar no fundo da xícara veio à mente uma frase que lera dias atrás e que dizia: “É uma pena que só levamos a sério as lições da vida quando ela já não nos serve mais”. Lembrou-se da necessidade de dar o devido crédito ao autor da frase, mas quem era...? Andava tão esquecida ultimamente... E, no final dessa conversa do eu sozinha, o que sobrou foi uma xícara trincada com os seus dentes ainda afiados.
|