O jovem neurologista Sigmund Freud ficava intrigado com os quadros que hoje chamamos de Conversivos: paralisias, estupores, cegueiras e vários quadros neurológicos que não tinham amparo em lesão orgânica, ou seja, não havia uma doença física diagnosticada ou diagnosticável nelas. Seriam de origem psicológica, ou resultante de um conflito não resolvido. Freud foi para Paris estudar em Salpetriére, com Charcot, uma celebridade neurológica da época, que tinha resultados espetaculares em alguns casos com o uso da Hipnose. No final do século XIX, esses estudos tiveram um gigantesco impacto na Neurociência que engatinhava, pois pela primeira vez a Ciência Moderna vinculava nossas emoções e afetos como geradoras de sintomas e doenças. Quando Freud voltou para Viena, começou a aplicar a Hipnose em suas pacientes, em sua maioria do sexo feminino, que apresentavam aquelas paralisias e sintomas neurológicos vários sem causa orgânica. Os quadros eram chamados de Histeria, pela ideia dos gregos que os sintomas eram causados por movimentos do Útero causando sintomas nervosos (Hystera= Útero). O termo Histeria foi banido da Psiquiatria pela característica preconceituosa contra mulheres, vistas como frágeis emocionalmente naquela época. Mas isso é outra história. O fato é que o jovem Sigmund começou a descobrir em suas sessões de Hipnose que experiências traumáticas estavam diretamente relacionadas aos sintomas nervosos que os pacientes apresentavam. Alguns anos depois ele abandonou a Teoria do Trauma e a Hipnose, para descrever a origem sexual dos sintomas histéricos. Mas ficou gravado em nossa Cultura que o trauma precoce e repetido pode ter efeito gerador de sintomas e doenças. Atualmente temos evidências muito claras que os traumas na Infância geram alterações em nossa expressão de genes e predispõe a muitas doenças, como Depressão e Dependência Química, por exemplo. Muito pais ficam extremamente preocupados em causar algum tipo de trauma nos filhos. A Infância então passa a ser vista como um Paraíso de brincadeiras e felicidade contínuas, para evitar os traumas. Quando meus filhos estavam no Ensino Fundamental, uma das mães manifestava nas reuniões de Pais que seu filho não conseguia, por conta de um quadro ansioso, fazer e entregar as tarefas da Escola. Ela propôs que as lições de casa fossem abolidas, para não afetar a autoestima das crianças, e olha que contou com algumas adeptas, até que outras mães chamaram a moça à razão. Hoje em dia eu acho que ela teria sucesso em seu pleito. Vivemos nesse Universo enlouquecido de mães amedrontadas e pais cansados que estão prontas a avançar na jugular da Escola se os filhos não tiverem um bom desempenho. A culpa é de quem? A culpa é de Sigmund. Ele que falou da importância dos traumas para geração de Neuroses. As crianças não podem passar por nenhum dissabor, senão vão virar adolescentes deprimidos e drogados no futuro. Os grupos de WhatsApp de Mães deveriam ter supervisão psiquiátrica. A velha Histeria agora dá lugar a medos e reatividade a qualquer coisa que pode ser “traumática” para nossos príncipes e princesas. Esse OutonoInverno tem sido enlouquecedor para os Pediatras. Dois anos de Pandemia criaram um buraco na Imunidade das crianças, sabe por que? A falta de interação diminuiu muito a trocas de vírus entre elas. Essa troca está sendo intensificada agora, com um download constante de cepas virais. Covid é fichinha. Uma amiga Pediatra me contou que uma criança de três anos tinha três vírus diferentes no seu Perfil. Simultaneamente. A mãe se descabelou toda com o resultado, a criança evolui bem, felizmente. Por que saímos de Freud e fomos para o consultório de Pediatria? Porque a fantasia do medo de traumas cria fragilidades como os dois anos de quarentena: não se expor a dificuldades, fracassos, viroses e outros estressores deixam crianças e pais fragilizados no enfrentamento da vida. A ideia de evitar o Trauma é um trauma em si, gerando uma cultura de medo e fragilização. A Biologia tem um nome para a importância dos estressores: Hormese. Hormese é a exposição às dificuldades que permitem que as pessoas e os organismos cresçam e se tornem fortes diante das dificuldades. Isso significa que precisamos das adversidades e dos erros para nosso desenvolvimento. Tentar evitar os erros é como a mãe ensandecida que queria abolir a lição de casa de todos para não prejudicar a autoestima de seu filhinho: isso faria a mágica de fragilizar o seu filho e toda a sua classe. Uma música antiga de Erasmo Carlos dizia que proteção desprotege. Hoje ele seria atacado por alguma associação de mães ou de protetores de alguma coisa. Eu diria que o poeta queria dizer que a Superproteção desprotege. E muito. É duro ver uma criança falhar, fracassar ou se amedrontar. Mas devemos abraçar o medo e continuar errando, pois é isso que gera aprendizado e crescimento. Nota do Editor: Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”.
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