Muitos de nós lemos histórias educativas quando fomos crianças e eu ainda lembro de uma muito antiga que li em uma edição da revista Nosso amiguinho, revista infantil pertencente a uma editora da Igreja Adventista de Sétimo dia. A dita história se chamava O preço da desobediência e, como o próprio título sugere, fala sobre as consequências de ser desobediente e tem o objetivo de ensinar que as crianças devem obedecer aos mais velhos. A narrativa era assim: uma mãe e dois filhos - um menino e uma menina - iam com a mãe à praia e as duas crianças brigavam. A mãe os colocava de castigo e, em uma ocasião, tinha que sair para resolver algo (não lembro o que era) e dizia às crianças que não saíssem da barraca porque estavam de castigo, mas o menino - que, pela ilustração, parecia ter entre seis e oito anos - saía da barraca e ia explorar a praia. Ao ver uma água-viva, muito curioso, encostava as mãos no animal e, como era de se esperar, sofria queimaduras, sendo levado por uma mulher ao hospital. Não lembro muito do resto da história, apenas que a mãe, mais tarde, dizia que a queimadura tinha sido uma consequência da desobediência e depois que viajassem de novo, mesmo quando ele estivesse bom, ficaria de castigo “forçado” para aprender a não ser desobediente. Antes, achei que a história mostrava que tínhamos que ser obedientes, pois eu era muito criança quando a li. Porém, vamos analisar algumas coisas que hoje parecem controversas. Que tipo de mãe é essa que deixa duas crianças sozinhas em uma praia, expostas a perigos bem maiores do que sofrer uma queimadura de água-viva? Numa praia, uma criança pode se perder dos pais, entrar no mar e se afogar ou até mesmo ter o azar de encontrar alguém com instintos perversos que abuse dela e até a mate. Se o menino sofreu queimadura, a culpa foi da mãe. Uma criança entre seis e oito anos é naturalmente curiosa e sem noção de perigo e, pelo que a história dá a entender, ele nem mesmo sabia o que era uma água-viva. Caso ele houvesse entrado no mar e morrido afogado ou ter sido abusado e assassinado por um maníaco, a mãe poderia se dar ao luxo de dizer que tinha sido castigo pela desobediência? É muito forte dizer a uma criança que algo de ruim aconteceu a ela porque ela foi malcomportada. Ele sofreu queimaduras porque foi curioso e imprudente, não porque foi desobediente. Nenhum pai ou mãe deveria dizer a um filho ou filha que ele sofreu um acidente e se machucou ou adoeceu porque se comportou mal. A criança pode entender que mereceu que algo de ruim acontecesse a ela e isso é ruim para a autoestima de qualquer pessoa. Eu nunca esquecerei do que me disseram quando eu tinha sete anos, quando passei mal e vomitei após chupar umas uvas: “Está vendo? Você é ruim, Deus castigou você!” Tomemos cuidado com o que dizemos às crianças. Hoje, concluo que o que houve com o menino da história não foi um castigo pela desobediência, mas resultado da negligência materna.
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