O assassinato do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, de 67 anos, o político que governou o Japão por mais tempo - de 2006 a 2007 e de 2012 a 2020 - é um duro golpe não só para aquele país mas a todo o mundo, especialmente nos locais em processo eleitoral e em estado de polarização política, como é o caso do Brasil. Abe discursava na frente de uma estação de trens, em favor de uma candidata à Câmara Alta (equivalente à nossa Câmara dos Deputados) quando foi ferido no pescoço e no peito, por tiros disparados por um ex-marinheiro de 41 anos, que foi preso. Sofreu parada cardiorrespiratória e foi levado ao hospital, mas não resistiu. As imagens do crime correm o mundo e causam consternação. Desenvolvido e com alto grau de economia e escolarização, o Japão e muito menos a vítima esperavam um atentado dessa natureza. Da mesma forma que jamais se imaginava a invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, na época das eleições presidenciais. Toda vez que há radicalização, cria-se o ambiente favorável à ocorrência de ações extremadas e fora de lógica. É bastante improvável que um ex-governante que deixou o posto há dois anos por razões de saúde seja alvo de criminosos, mas aconteceu. O ocorrido no Japão tem de servir a nós, brasileiros, em relação às eleições de outubro próximo. Primeiro não podemos esquecer que, na campanha de 2018, o presidente Jair Bolsonaro, então candidato, foi vítima da facada desferida em seu abdome pelo ativista Adélio Bispo, episódio que lamentavelmente ainda patina nas apurações sobre possíveis mandantes. Também merecem as atenções e preocupações as agressões que candidatos e comitivas sofrem em suas andanças, onde são alvejados com ovos e até drones foram utilizados para neles atirar dejetos. É exagerado pensar que hajam esquemas preparados para eliminar esse ou aquele, mas também não se deve pensar que essa deva ser uma possibilidade descartada já que existem, na multidão, mentalidades para todas as análises, inclusive aquelas radicalizadas por quaisquer desvios de saúde, comportamento ou ideologia. É melhor prevenir para evitar surpresas, sofrimento e até a perda de vidas. Muitos anos atrás, assisti um debate acalorado entre dois deputados, na Assembleia Legislativa de São Paulo. O que estava na tribuna era aplaudido por manifestantes que empunhavam uma bandeira. Ao terminar o discurso, ele desceu e foi ao encontro do colega com quem havia discutido e ambos deram um aperto de mãos. Os manifestantes rasgaram a bandeira, xingaram mãe do parlamentar que haviam aplaudido e foram embora possessos. Incomum à época, esse comportamento chamou a atenção. Mas, a cada dia que passa, a intolerância torna-se maior, até tida como livre direito de manifestação. Piorou depois do “impeachment” de Dilma, da prisão de Lula e da posse de Bolsonaro. Os antagônicos vão fácil ao terreno do desforço físico e da desobediência civil... O processo geral de irritação é muito alto e, além da política, contamina torcidas de futebol que se agridem mutuamente e - pior - por vezes invadem o próprio clube para aplicar seu corretivo em técnicos e jogadores. Quando a fervura aumenta, ninguém é capaz de imaginar até onde a desinteligência pode chegar. O clima belicoso instalado no Brasil merece todo reparo e modulação, principalmente dos participantes da contenda. Até os poderes da República - Legislativo, Executivo e Judiciário - têm divergido de forma incondizente e até ilegal, já que a Constituição os criou e estabelece como “independentes e harmônicos entre si”. Todos os envolvidos no processo político-eleitoral precisam, para o bem próprio e geral da Nação, ser racionais, mais tolerantes e menos agressivos. Fazer tudo para evitar o despertar dos radicais, inclusive das bestas-feras, que não resolvem problema algum, mas podem levar a sofrimento (como o de Bolsonaro) e ao desenlace (como o de Shinzo Abe). Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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