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Opinião
16/06/2022 - 06h41
O teorema de Homer Simpson
Dartagnan da Silva Zanela
 

Muitos já disseram, e com razão, que as virtudes não podem ser ensinadas mediante lições e, muito menos, pelo intermédio de uma escrevinhada cansada como essa porque, as virtudes, devido a sua natureza específica, apenas podem ser bem apreendidas, compreendidas e assimiladas através da dramaticidade de exemplos, digo, de vidas exemplares.

Bem, por ser petulante até a medula, e teimoso feito uma mula, irei, mesmo assim, escrevinhar algumas palavrinhas sobre elas, as virtudes, não com a pretensão de ensiná-las com minhas pobres palavras mal escritas, mas apenas para lembrar do papel fundamental que esses trens têm na formação da nossa personalidade e, consequentemente, na edificação do nosso caráter.

E, assim o é, porque as virtudes, por sua própria constituição, fortalecem o indivíduo para o cumprimento de suas ações, dando forma ao propósito de sua vida, atingindo a excelência a qual se destina.

Dito de outro modo, todos nós, em nossas lides cotidianas, estamos sempre realizando alguma intenção que não se restringe unicamente na ação em si. Essa intenção maior, que não cabe dentro de uma ação isolada, pode se espraiar com maior ou menor profundidade no tempo e interligar muitas outras, ou apenas outras poucas ações, mas, tudo o que fazemos, em certa medida, se encontra conectado a um propósito maior que almejamos realizar em algum momento da nossa caminhada por esse vale de lágrimas.

Esse propósito, seja ele nobre ou não, para poder atingir a tal da excelência, irá exigir de nós uma grande dose de determinação e dedicação e, para tanto, é imprescindível que utilizemos instrumentos que nos fortaleça para que não vacilemos em nossa empreitada. Ora, tais instrumentos seriam as virtudes.

A primeira delas, também chamada pelos sábios de antanho de “a mãe de todas as virtudes”, é prudência, a justa determinação que nos orienta a pararmos para pensarmos antes de fazermos qualquer coisa. E me permitam fazer essa ênfase: se não paramos, não pensamos ou, no mínimo, acabamos matutando de uma forma tremendamente deficitária sobre o que iremos realizar.

No mundo atual, mais do que nas primaveras que a muito já se foram, vivemos nossos dias num turbulento e agitado fluxo de informações, estímulos sensoriais e demais tranqueiras similares que não dão a menor trégua para nossa alma. Nós passamos por isso tudo e, em grande medida, tudo isso acaba passando por nós e, muitas vezes, muitas mesmo, acabamos tomando decisões no calor de uma provocação, ou nos omitindo de fazer algo, devido aos gélidos maus conselhos que nos são dados pelos medos que nos tocam em determinadas ocasiões.

Pois é, e fazemos isso porque, como muito bem sabemos, nos recusamos a parar para ponderar, para pensar no que estamos fazendo, ou deixando de fazer, porque simplesmente não queremos perder o momento, ou tememos tudo perder se pararmos para pensar.

E esse fluxo infindável que estímulos e informações que nos cercam, apertam direitinho os botões que acionam as reações de nossas inclinações e tendências desordenadas que, diga-se de passagem, não são governadas por nós por pura indisposição, por nos recusarmos a cultivar uma vida virtuosa, ou algo próximo disso.

Aí, por não procurarmos, regularmente, pararmos para pensar a respeito do que estamos fazendo com a nossa porca vida, acabamos, sem nos darmos conta, sendo guiados pelas nossas tendências e inclinações desordenadas que são instigadas e, em muitíssimos casos, manipuladas por elementos externos a nossa alma e que, de uma forma muito sutil, guiam nossos passos e dão forma às nossas decisões.

E como não paramos para matutar sobre a possibilidade de estarmos vivendo uma vida teleguiada pela malícia maquiavélica de terceiros, acabamos crendo que todas as nossas reações impensadas aos estímulos recebidos seriam os ecos da aveludada voz da nossa consciência [só que não].

Sim, eu sei que todos nós acreditamos candidamente que estamos, com nossos atos, colaborando para realização de algo bom em nossa vida e, em alguns casos, para a vida de toda a nossa comunidade, sei disso. Porém, é importante lembrarmos que o fato de estarmos almejando um bem maior não nos dispensa de sermos minimamente inteligentes, não é mesmo?

De mais a mais, fica meio difícil cultivarmos essa tal sabedoria prática, que é a prudência, se não procuramos praticar a sabedoria que, de forma simples e direta, consistiria na reflexão a respeito dos fins que pretendemos atingir e, é claro, sobre os meios que iremos empregar para atingir os fins almejados.

Sem esses momentos de silêncio interior, onde pedimos o auxílio da Graça para retificar nossas ações, dificilmente poderemos agir de forma lúcida e razoável, porque não há possibilidade de se atingir um mínimo de lucidez e de razoabilidade se não paramos para pensar e, se preciso for, mudarmos o rumo de nossa jornada.

Ou então, podemos ignorar tudo isso e, sem a menor cerimônia, agirmos como Homer Simpson e dizermos para nós mesmos, e para todos aqueles que vierem nos amolar, que a culpa pelas nossas ações é nossa, todinha nossa e, por isso, a colocamos em quem nós quisermos, feito um moleque mimado que se recusa a amadurecer e a agir de uma forma minimamente prudente.


Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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