O emprego de quantias milionárias de dinheiro público na contratação de artistas para a atração e agrado do público em ano eleitoral é um disparate e verdadeiro crime contra a população que sofre com a falta de serviços e recursos básicos de obrigação dos governos. Nada contra os cantores e outros artistas que faturam 100, 200, até 800 mil por uma única apresentação. Esse é o negócio deles e, se encontram quem paga, recebem dentro da mais simplória lógica de mercado. Certas coisas - bens ou serviços - custam o que seus titulares ou prestadores encontram alguém disposto a pagar. Essa prática inflacionou sobremaneira as atividades artísticas e levou importantes nomes do meio a se sentirem credores de altas somas do dinheiro do povo, a ponto, com toda desfaçatez, protestar quando o atual governo fechou as torneiras. Não obstante os artistas e outros contratados para atividades de valor não tangível tenham o direito de cobrar o mais que puderem, é obrigação dos homens (e mulheres) públicos zelar pela guarda e adequado emprego do erário. Não podem dar “circo” ao povo (principalmente com a expectativa de lucro eleitoral), quando esse mesmo povo precisa de “pão” passando fome ou privado de saúde, educação, trabalho, segurança e dos mais banais serviços como água e esgoto, ruas pavimentadas, alimentação aos carentes e outros. Deputados, senadores e governantes que facilitam ou fazem vistas grossas e ouvidos moucos ao emprego de milhões de dinheiro para a contratação de artistas, esportistas e outras atrações de mobilização popular cometem um verdadeiro crime e deveriam pagar por isso, não só com seu patrimônio, mas com a impedimento da continuidade da vida pública e até a cessação da liberdade pessoal. Observe-se que, se o artista fala o nome do candidato durante o show pode estar violando a legislação eleitoral, que proíbe a realização de “showmícios”. Mas ainda há outra dúvida mais robusta: como será encarada pela Justiça Eleitoral a possibilidade do artista contratado com dinheiro público usar suas redes sociais ou fãs clubes para alavancar a campanha do candidato que arrumou o dinheiro para sua apresentação? Isso seria tolerado diante dos inúmeros questionamentos que se faz sobre uso de Facebook, WhatsApp, Telegram e outros nichos de internet?... Em vez de proporcionar aos prefeitos - seus cabos eleitorais de luxo - as polpudas verbas que lhes proporciona a contratação de artistas caros, senadores, deputados, governantes e todos os cidadãos que detém postos de relevância e influência na administração pública deveriam se mobilizar para evitar a existência de mecanismos - como a “Emenda PIX” - que proporcionam essa sangria aos cofres da União, dos Estados e dos próprios municípios. Existem normas e procedimentos para o emprego do dinheiro público que quando desobedecidas resultam até na cassação do mandato do governante e processos judiciais aos que decidiram em desacordo. Mas ainda é pouco diante do jeitinho brasileiro que encontra meios de burlar os controles e colocar nas mãos de aliados o dinheiro que tanto serve às disparatosas contratações artísticas quando pode ir direto para a pauta da corrupção e do enriquecimento ilícito. Temos visto o Ministério Público diligente em casos como esses que ultimamente são noticiados. É uma postura interessante, mas achamos pouco. Em vez de - como de diz na zona rural - fechar a porteira depois que o cavalo escapou, é preciso prevenir a debandada da tropa. O atual governo, que já impediu artistas (a maioria seus adversários políticos) de continuar recebendo rios de dinheiro, precisa fazer mais. Criar mecanismos que protejam o erário dos achaques e impedir que os temerários do Congresso criem jabutis que abram as torneiras para os inadmissíveis vazamentos. Levantamento do jornal “O Estado de S. Paulo” revela gastos da mais de R$ 14,5 milhões com artistas em cidades de até 50 mil habitantes. Isso é uma vergonha. Em vez de show milionários, tal dinheiro deveria ter sido empregado em coisas básicas. Os artistas e seus espetáculos chegam à população pelos meios de comunicação. E aqueles que têm cacife para apresentação presencial, devem fazê-las através de bilheteria. Nunca recebendo o dinheiro que deveria ir para a escola, a creche, o hospital e outros serviços de primeira necessidade... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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