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Opinião
01/06/2022 - 06h27
As mortes por fenômenos climáticos
Dirceu Cardoso Gonçalves
 

Vejo no jornal que 84 pessoas já morreram na região metropolitana de Recife (PE) em decorrência das chuvas que lá ocorrem desde a última quarta-feira. Catorze cidades daquele estado decretaram calamidade pública (que permite aos prefeitos comprar sem concorrência). Tudo isso numa região que, até culturalmente, o Brasil e o mundo sabem sofrer com a seca, segundo especialistas, resultante da forma inadequada de desenvolvimento ali implantada, sem cuidados com a conservação da pouca água, nem ações para evitar a degradação dos rio, que chegam até a secar completamente nas estiagens prolongadas. Hoje é Pernambuco, mas temos de concordar que a má conservação do solo e, principalmente, o manejo inadequado na fase primária do desenvolvimento, é o responsável por grandes prejuízos, sofrimento da população e, principalmente mortes, todos os anos e em todo o país. O homem não soube encontrar-se respeitosamente com a Natureza e hoje, ele próprio ou seus descendentes, pagam elevado preço pelo desencontro.

Esse é um fenômeno mundial. Em toda parte, o homem foi o grande algoz do bioma. Começou tirando água do rio para beber e depois para trabalhar, mas não se preocupou com o lançamento dos dejetos no mesmo lugar de onde bebia o precioso líquido. Demorou décadas, mas a saturação veio e todo o patrimônio construído na insustentabilidade ficou sob risco; chegando a perecer em regiões onde o socorro adequado não veio em tempo. Os grandes rios do mundo - Mississipi, Tenessee (EUA), Sena (França), Reno (Europa, de sul a norte) já sofreram a devastação humana em diferentes níveis e formatos, mas receberam o devido socorro de governos e da própria comunidade, estando hoje integrados e produtivos nas mais diversas utilidades e aplicações.

No Brasil ainda temos muito a fazer. Apesar da grande tentativa do Planasa (Plano Nacional de Saneamento), do começo dos anos 70, continuamos com muitos problemas. Exemplos são o Tietê, na região metropolitana paulista - um esgoto a céu aberto apesar de campanhas e todo o investimento (notadamente no governo Fleury) que nele se fez por pelo menos nas últimas quatro décadas - e o Pinheiro que, depois de praticamente morto, hoje ressurge através dos esforços e altos custos para torná-lo um parque para os paulistanos. Poderíamos citar dezenas, centenas, talvez milhares de cursos d’água maltratados Brasil afora, mas é desnecessário porque todos os brasileiros conhecem pelo menos um ou dois casos mais próximos de onde vivem.

Falta atitude integrada. Os rios não deixam de ser poluídos porque, além das obras de tratamento de esgotos das cidades serem atrasadas ou inacabadas, há a ocupação irregular das suas bacias de drenagem que, por ser clandestina, não obedece qualquer tipo de postura de instalação, a começar pelo lançamento dos despejos “in natura” no curso d’água mais próximo. E as autoridades pouco fazem porque muitas delas estão mais interessadas nos votos dos ocupantes do que na sanidade ambiental e até na própria vida dos moradores. Outro problema é a ocupação de encostas e áreas de risco, proibida mas não fiscalizada e muito menos resolvida conforme determinam a técnica e a legislação. O resultado é a profusão de mortes sempre que ocorre um fenômeno climático mais potente, para o qual todos deveriam estar preparado, já que acontece sazonalmente. E conhecimento não nos falta. Tanto que os serviços especializados anunciam com antecedência a aproximação dos fenômenos e, mesmo assim, a tragédia se repete.

O desleixo com as águas e o ambiente é tão grande que, seguramente, todo indivíduo conhece áreas alagáveis no seu caminho ou próximas onde vive. Nas cidades, especialmente nas grandes, temos pontos já sinalizados com a possibilidade do fenômeno. A sinalização deveria ser algo temporário, até a solução da causa, mas permanece por décadas, pois depois que a água baixa, não se fala mais nisso. Com raríssimas e honrosas exceções, os que dizem “lutar” pelo ambiente e ecologia nada produzem, a não ser votos para se eleger e ir ao parlamento de diferentes níveis defender suas teses e interesses do seu grupo. O povo, mesmo, inclusive aqueles que correm o risco da montanha cair sobre suas cabeças, os veem apenas de quatro em quatro anos, quando retornam para pedir votos. Ação, mesmo, nada. E quando existem, são destinadas a carrear recursos para os esquemas que, à custa de proselitismo, os sustentam nos gabinetes refrigerados das capitais. É preciso atuar (de verdade)...


Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).

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