A molecada sabia, sobretudo coisa de adulto, fazer de tudo: desobedecer à mãe, fugir, quebrar vidraça, insultar vizinho, tirar goiaba do quintal alheio, esconder-se, jogar “pelada” na hora da aula, tomar banho no rio cheio, gritar apelidos injuriosos, cuspir na cara dos outros, “dizer nome feio” e, enfim, brigar na rua. Danados aqueles moleques, acertavam o chute, de primeira, numa bola de borracha do tamanho de uma laranja... Porém, sabiam respeitar a mãe e defender o nome dela na rua, distinguindo naturalmente, sem molecagem, os aperreios causados em casa do desrespeito à autoridade materna. Na praça, para brigar, obedecia-se a um ritual. O provocador, que se deliciava em ver briga, com ares de magistrado, chamava as partes, passava dois riscos no chão e advertia: “- Este aqui é sua mãe e esse ali é a dele”. Apagar um daqueles riscos era o chute inicial de uma prolongada disputa de socos e pontapés. Ser moleque é uma coisa; outra é deixar zombar da sua mãe. E, quando assim se procede com a mãe do outro, o insultador se mostra consciente de que quer ofender o valor mais sagrado do seu desafeto. Mãe não é aquela que apenas gera um filho. É, sobretudo, aquela que gera por amor, querendo, antes de possuir ou de ser possuída, o filho. E assim continua, durante toda a vida, amando aquele que fecundou. Divide com ele a sua respiração, confunde-o com o ventre, enquanto o protege e faz crescer, dando-lhe alimento da sua própria carne e do seu sangue. Maior intimidade não existe. Instintivamente, é a expressão da natureza, felina poderosa. Carrega o filhote com os dentes, enquanto luta, com todas as garras, contra qualquer perigo à sua indefesa criatura. Recentemente, li nos jornais que uma mulher abandonara o filho recém-nascido num depósito de lixo, renegando esse instinto natural. Não, não era mãe. Apenas pariu. Equívoco chamá-la de mãe. Maternidade exige que, se for o caso, deixe o filho, mesmo de coração partido, confortavelmente num cesto, barco seguro com destino certo para ser salvo das águas, como o caso de Moisés. E tudo isso somente por causa do iminente perigo de ser morto pelo faraó. A lógica demonstra a ligação absoluta da mãe com o filho, como também do filho com a mãe. Ontologicamente, só existe mãe se existir filho e só existe filho se existir mãe. É uma bicondicionalidade lógica: ela é minha mãe se e somente se eu for seu filho. Do que se deduz por comutação: eu sou seu filho se e somente se ela for minha mãe. Daí, verifica-se uma intrínseca necessidade formal e material entre mãe e filho. Maxim Gorki, renomado escritor russo, no seu famoso romance A mãe, centraliza, na personagem materna de Peláguea Nilovna a proteção e a defesa do filho Pavel Vlassov. A mãe adota a compreensão das atividades políticas de Pavel, proibidas pela repressão czarista, como também a militância do filho, incorporando em si mesma o idealismo do corpo e da alma do seu ente querido. Em todos os sentidos, fica claro que a mãe se prolonga no filho. Nilovna é Pavel, quando porta a bandeira do filho tombado. Assim, enquanto causa é aquilo que determina a constituição ou a natureza de um ser. Tal fenômeno é a causa estendendo-se no efeito ou consequente prolongação causal. Como a causa se prolonga no efeito, ser mãe é essencialmente prolongar-se no filho... Esta crônica é, com tardança, minha homenagem ao Dia das Mães.
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