A Zona Franca de Manaus nasceu no bojo das políticas de desenvolvimento regional do Governo Federal visando a reduzir as profundas desigualdades socioeconômicas nas condições de vida entre todos os brasileiros, independentemente do seu destino ser determinado pela loteria da vida. Uma assimetria espacial no padrão de vida dos brasileiros que é politicamente intolerável em uma democracia federativa moderna. Não se pode admitir que a renda per capita média dos brasileiros vivendo nas áreas mais desenvolvidas do País seja em torno de três vezes superior à renda per capita do brasileiro maranhense ou do brasileiro alagoano. O Budismo nos ensina que não há mais democrático que o sol que, quando se levanta, ilumina igualmente todas as regiões. No início dos anos 1960, o Brasil era o País que, na economia mundial, apresentava o maior nível de desequilíbrio de desenvolvimento entre as suas regiões. Ao fim da implantação do Plano de Metas do Presidente JK (1956-1961), o Brasil se transformara na economia mais industrializada e moderna do Terceiro Mundo, mas, no entanto, ocorrera uma concentração de 72 em cada 100 novos empregos industriais no Eixo Rio-São Paulo. A partir da criação da SUDENE, em 1959, pelo então Presidente JK, dá-se início ao processo de desconcentração planejada da polarização econômica do País, através de diferentes políticas de desenvolvimento para as áreas menos desenvolvidas. Particularmente, com o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND do Governo Geisel) lançado em 1974, as regiões menos desenvolvidas passaram a crescer mais rapidamente do que as áreas mais desenvolvidas. Assim, veio a ocorrer um intenso processo de reestruturação espacial da geografia econômica brasileira. No período de 1970 a 1980, a soma das participações das Regiões Centro-Oeste e Norte no PIB brasileiro saiu de 6% em 1970, para 15% em 2010, e essa participação manteve o seu crescimento nos anos seguintes, principalmente pelo avanço do agronegócio, da mineração e da industrialização tardia nessas Regiões. Assim, as áreas menos desenvolvidas responderam positivamente aos incentivos e aos estímulos das políticas de desenvolvimento regional do Governo Federal, contribuindo para a redução das disparidades regionais do Brasil. As políticas de desenvolvimento regional tiveram características diferenciadas quanto aos instrumentos econômicos e aos mecanismos institucionais adotados. O avanço do Centro-Oeste, por exemplo, ocorreu principalmente em função do 2º salto científico e tecnológico da agropecuária brasileira, a partir dos anos 1970, graças à transformação dos cerrados de bens físicos em bens econômicos e às inovações de produtos, processos e organizações nas áreas tradicionais de produção de proteína animal e de proteína vegetal. Já na Amazônia Legal, dada a sua diversidade e heterogeneidade socioeconômica e socioambiental, a política de desenvolvimento regional assumiu uma dimensão multifacetada e contextualizada à realidade regionalizada. Registraram-se muitos casos de sucesso da promoção econômica em novos projetos de mineração (Carajás e S11D, no Sudeste do Pará), de agricultura (produção competitiva de café e de carnes em Rondônia), industrial (Zona Franca de Manaus) etc. A Zona Franca de Manaus é um dos polos de desenvolvimento da Amazônia que apresentam uma história de sucesso no conjunto das políticas de desenvolvimento regional no pós-II Grande Guerra. Sucesso, sem dúvida, medido em termos da relação altamente positiva dos seus custos para a sociedade brasileira (incentivos fiscais e financeiros, despesas tributárias etc.) com os seus benefícios também para o conjunto da sociedade brasileira (geração de renda e emprego, inovações tecnológicas, produção competitiva globalmente de bens duráveis de consumo etc.). Uma construção político-institucional ao longo da história do processo de integração nacional que não pode ser desconstruída apenas por portarias ministeriais. Como, a partir de 2019, a estratégia do Governo Federal tem sido a de desmonte institucional das principais políticas públicas em nome de ideologias historicamente ultrapassadas, corre-se o risco da desarticulação das políticas de desenvolvimento regional no País. Particularmente quando a atual administração do Governo Federal trata a Região Amazônica como se fosse um grande almoxarifado de valiosos recursos naturais renováveis e não renováveis, ao qual indivíduos e organizações com interesses autocentrados têm acesso livre ou quase livre de “porteira aberta” para a realização de negócios lucrativos do ponto de vista privado. E também como se fosse um mega lixão onde podem depositar os resíduos e os dejetos de suas atividades de produção e de consumo através de ações predatórias sobre os ativos e os serviços ambientais da região (rios, florestas, ar puro, biodiversidade da fauna e da flora). Permanece complacente com um processo de colapso dos ecossistemas regionais, numa prática de crimes ambientais previstos na Constituição de 1988 nos artigos que se referem ao nosso Patrimônio Natural. Quando um país consegue reduzir os processos de desequilíbrios regionais de desenvolvimento, convergindo as condições de vida das regiões mais pobres para as condições de vida das regiões mais ricas, é preciso que consolide, sustente e reinvente as políticas públicas para evitar a reversão desses processos ao longo do tempo. Novos problemas e novas oportunidades emergem quando se transformam os contextos históricos que parametrizam as políticas públicas. Mas, como afirma Einstein: “Nenhum problema pode ser resolvido a partir do mesmo nível de consciência que o criou”. Nota do Editor: Paulo Haddad é Membro do conselho consultivo no Instituto Fórum do Futuro. Economista, com especialização em Planejamento Econômico no Instituto de Estudos Sociais de Haia - Holanda, Professor Emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, ex-Ministro da Fazenda e do Planejamento. Presidente da PHORUM Consultoria e Pesquisas em Economia e Diretor da AERI - Análise Econômica Regional e Internacional.
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