A excessiva ênfase que se dá, na sociedade contemporânea, a importância dessa tal de “autoestima”, não ajuda em nada os indivíduos que se sentem sempre pra baixo. Na verdade, bem na verdade, acaba, em muitos casos, fazendo muito mais mal do que promovendo algum bem que seja. De um modo geral, quando nos sentimos pra baixo, com nossa estima soterrada sobre um montão de tristezas, mágoas e ressentimentos, isso se deve, em muitíssimos casos, a um problema com dois vetores. O primeiro é que, muitas vezes, sentimo-nos como se fôssemos o subnitrato da existência vegetativa, porque nos comparamos àqueles que são melhores do que nós em alguma coisa que nunca nos esforçamos para sermos bons. E, ao sermos defrontados com tal figura, inevitavelmente nos comparamos a ela e percebemos que não somos bons como ele naquilo que ele faz. Não apenas isso. Descobrimos que não procuramos ser bons em patavina alguma. Aí o trem degringola de vez ladeira abaixo. Tal informação, quando é atirada em nossas ventas pela realidade, acaba sendo desconcertante por demais e, naturalmente, ao invés de refletirmos sobre esse quadro comparativo e procurarmos corrigir nossa tristonha figura, sem querer querendo, acabamos por nos afogar em borbotões e mais borbotões de inveja, ressentimento, ingratidão, mágoa e, é claro, em algumas boas doses de vitimismo que, nada mais é que aquele sentimento de auto-justificação que alimentamos em nossa alma, dizendo para nós mesmos, e para todos que estiverem próximos de nós, que o mundo, a sociedade, o sistema e o raio que o parta, são responsáveis pela nossa desventura em série porque, nenhum deles, fez por nós o que nós mesmos deveríamos ter realizado por nós. Todos nós, se tivermos um cadinho de sinceridade em nosso coração de geleia, iremos, mais do que depressa, reconhecer os inúmeros momentos em que agimos bem desse jeitão. Como diria o Senhor Omar, isso tudo é trágico, mas, infelizmente, não somos tão maduros como presumimos que somos, nem tão fortes como acreditamos ser. Por isso é fundamental que, antes de qualquer coisa, façamos algo que, provavelmente, muitos de nós nunca cogitou fazer em sua vida: estabelecer, para nós mesmos, como nos ensina Michel de Montaigne, algumas metas e padrões de excelência que iremos almejar realizar nesta porca vida. Ao estabelecermos algumas excelências para serem atingidas por nós, isso não significa que, necessariamente, iremos alcançá-las. Nada disso. Isso apenas sinaliza que nós estabelecemos para nós mesmos um padrão de mensuração elevado para avaliarmos a nossa mediocridade cotidiana, para que possamos, gradativamente, com muito esforço e perseverança, sairmos dela e nos tornarmos mais e mais próximos da excelência que queremos intensamente conquistar. Lembremos: quando falamos em excelência, estamos falando em virtudes e estas, por definição, são elementos que, se forem devidamente exercitados, nos fortalecem, porque as virtudes são o próprio bem e, como todos nós sabemos, mas fingimos não saber, o bem não é para ser meramente admirado, exibido ou usado como fantasia. Não. O bem existe para ser praticado, realizado e vivido. Bem vivido, bem realizado e, é claro, bem praticado. Porém, todavia e entretanto, quando nós não fazemos a menor questão de estabelecer uma excelência para ser alcançada, estamos - mais uma vez, sem querer querendo - dizendo para nós mesmos que estamos muito satisfeitos com nossa mendacidade cotidiana. Não apenas isso. Sentimo-nos ofendidos com a presença de qualquer um que simplesmente ouse não aceitar a mediocridade reinante como padrão a ser ambicionado. Aí amigão, é nesse sentido, que boa parte de toda essa conversa, cheia de boas intenções, para levantar a estima da galera que está pra baixo, acaba sendo apenas um subterfúgio para justificar a nossa desídia existencial nada original. Ora, se apenas gostamos de ficar garbosamente justificados dentro dos limites de nossa má vontade, o tédio, a inquietação, o desassossego, a falta de concentração, a ansiedade e tutti quanti, com o tempo passarão a ser o nosso dia a dia. Agora, se passamos a ter um cadinho de ousadia e procuramos não apenas estar diante dos limites de nossas capacidades, mas procuramos desafiar esses limites para ultrapassá-los, sem nos darmos conta, estaremos fortalecendo a nossa personalidade duma forma que, até então, éramos incapazes de imaginar. Quando realmente exercemos nossa liberdade, não ficamos esperando que os outros façam por nós algo que nós não nos esforçamos, nem um pouquinho, para realizar com nossas próprias capacidades. Quando somos livres, procuramos encarar os nossos limites para expandi-los e, para tal dilatação, é preciso que enfrentemos não a possibilidade do fracasso, que é uma fonte preciosa de aprendizado, mas sim, o medo da derrota, o pânico diante da possibilidade da frustração, que é um veneno pérfido que asfixia a alma humana. Pois então, meu caro Watson, quando nós não encaramos de frente a possibilidade de sermos frustrados em nossas ações, numa velocidade muito maior do que gostaríamos de admitir, nós acabamos nos tornando alguém muito abaixo da pessoa que poderíamos ser. Neste ponto, é muito importante que lembremos da parábola dos talentos (Mateus XXV,14-30). E se formos um pouco mais abusados, iremos perceber, de forma cristalina, que é isso que o sistema educacional acaba fomentando nas tenras gerações quando ele procura, através dos mais variados subterfúgios, impossibilitar a efetivação da reprovação de um aluno que fez questão de não mover mais que uma palha na direção da excelência do aprendizado. Aliás, conforme nos lembra Jordan B. Peterson, quando somos estimulados a nos esforçarmos para otimizar nosso desempenho futuro, nós acabamos nos sentindo, de certa forma, revigorados, animados para tornar tal otimização efetiva no presente. Agora, quando não temos diante de nossas vistas, à excelência como objetivo a ser atingido, com o tempo, nos vemos, como boleiras de pessoas, se arrastando pelos cantos, tomados pela preguiça, inconscientes de nossas atitudes inconsequentes, inconsistentes e apáticos. E aí, o que temos com frequência, sendo apresentado como uma solução para esse enfermidade da alma, é a superproteção na forma de “valorização da autoestima” que, ao invés de levar os indivíduos a tornarem-se cônscios dos males que os afligem, apenas os faz se sentirem justificados em sua má vontade que foi, de certa forma, estimulada pelo mesmo discurso que agora se apresenta como se fosse a solução para todos os seus problemas. Por essas e outras razões que essa impostura de décadas, que transformou a possibilidade de reprovação de um educando em algo praticamente impensável - e que é fantasiada como sendo uma conquista pedagógica - vem dia após dia desmoronando e revelando ser o que realmente é: uma grande farsa que, sem a menor cerimônia, não se cansa arruinar a vida de incontáveis jovens com a desculpa de estar procurando melhor atender os seus anseios e interesses.
Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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