Agora espantando, apenas ter a certeza que o jardim floresceu e eu não vi... Meses e meses, dias e dias, horas e mais horas, um período inteiro esperando o jardim florescer, mas quando ele brotou suas flores, seus aromas, suas pétalas, seus perfumes e suas brilhosas cores, infelizmente eu não. Uma terrível ânsia em ter diante do olhar as cores de uma estação de paz, de alegria, de felicidades. Toda manhã abrir a janela, colocar cadeira rente aos canteiros, fixar o olhar perante as plantas gestando, mas de repente não poder fruir das belezas tão esperadas. Vou confessar uma coisa: a ânsia pela espera das flores no jardim, aos poucos foi sendo tomada por outros tipos de ânsias. A ânsia de me dissipar da mesmice dos dias e das horas, do tempo passando e nada acontecendo. Fui entristecendo. A espera do florescimento do jardim foi se transformando apenas numa ilusão. Meu interior já havia absorvido os medos comuns dos humanos, as solidões dos exílios, as tristezas e angústias tão presentes nos solitários. Certa manhã eu saí e não percebi a chuva que caía em profusão. Caminhando, gotejando de pingos d’água, mas era como se nada estivesse acontecendo ao redor. Talvez trovões e relâmpagos estivessem sobre minha cabeça, mas era como nada existir. Outro dia, sentando num velho banco de madeira, pássaros pousaram em meu umbro, brincaram, cantarolaram, voejaram e retornaram, e eu me comportando apenas como uma estátua, como que petrificado, na mais pura insensibilidade. Eu não sou assim. Eu não era assim. Nunca fui assim. E por que de repente essa fuga perante as belezas da vida? Certamente as folhas de relva de Walt Whitman não me despertariam sensibilidade alguma. A Menina Doente, de Edvard Munch, talvez fosse avistada como uma pintura qualquer. Talvez a música de Tchaikovsky, as valsas de Strauss, os sonetos e os noturnos de Chopin, nada disso me tiraria da apatia perante a beleza, o sensível e o singelo. Mas eu nunca fui assim. E por que de repente essa fuga perante as belezas da vida? Verdade que no passado eu tive medo de não compreender a diferença de uma flor de plástica de uma flor colhida em jardim. Eu tive medo de sentir a ventania e imaginar sendo tocada por suave brisa. E por isso mesmo jamais que a sensibilidade se afastasse de mim. Somente através da sensibilidade, da certeza que espírito e alma fazem suas escolhas certas, e da necessidade de ter e fruir a emoção, é que a pessoa pode dialogar com as belezas da vida como em passo de valsa. Eu jamais poderia perder o poder do encantamento, da surpresa boa, do sentimento mágico aflorado, da afetividade. Por isso mesmo que me pus a esperar o jardim florescer. Uma expectativa maravilhosa, pois o brotar das pétalas, o brilhar das flores, a visão das abelhas e colibris rodeando os coloridos canteiros, tudo isso me seria essencial como força de vida, como sopro e ânimo para alimentar as forças boas interiores. A espera foi se alongando demais. A sensação cansativa e entediante do nada acontecido, certamente foi tornando a expectativa em tanto faz. Duro dizer, mas assim insiste em acontecer em tudo e sobre tudo. Mas não por culpa nossa. Apenas pela perda dos bons sentimentos. De repente é como se não tivéssemos mais tempo de buscar a vivência com as coisas sagradas e belas da vida. Difícil esperar o jardim florescer quando as realidades do mundo estão se tornando uma enxurrada de guerras, de mortes, de dores e sofrimentos. Difícil a sentimentalização do olhar quando as ruas estão cheias de violências, de falsidades, de atrocidades. Ninguém consegue pensar em flores perante o preço do arroz, da carne, do feijão, do gás, da conta da farmácia e da luz. Mas o jardim floresceu. Triste a certeza que surge, mas quando o jardim floresceu e eu não vi. Hoje abri a janela, depois a porta e caminhei até os canteiros. Tarde demais. Tudo seco, acinzentado, com folhas mortas e galhos pendidos. Apenas um retrato fiel da vida e do mundo e do mundo de agora. Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).
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