Sem uma boa dose de paciência, e uma boa porção de persistência, não realizamos nada que preste nessa vida. Nadica de nada. Essa é uma das muitas lições preciosas que vemos presentes nos episódios da série animada “Naruto”. Dedicação, esforço, resiliência, enfim, as lições virtuosas que se apresentam em cada um dos episódios, e na vida de cada uma das personagens, são preciosidades que, por inúmeras razões inconfessáveis, são desdenhadas soberbamente por nós. Falando-se em Naruto, lembrei, não sei por qual razão, de um escritor que gosto pra caramba: o portuga Lobo Antunes. Essa fera das letras afirma, de forma lacônica, que escrever não é difícil. Na verdade, segundo ele, seria tremendamente fácil fazer um lápis bailar sobre uma página em branco. O que realmente seria um tormento, algo que sugaria todas as nossas energias, e exige uma baita dose de perseverança e de resignação, é o trabalho de revisão. Esse sim, segundo ele, é de matar. E não adianta reinar feito um Ford velho não, porque, são nos pequenos detalhes que o diabo se esconde, da mesma forma que são nos acabamentos que a maestria se revela. É assim mesmo e não adianta pedir desconto. Tal observação, feita por esse grande esgrimista intelectual, é válida não apenas para a escrita, mas para todas as atividades humanas. Tudo, para ser bem feito, exige dedicação e, entendamos claramente que dedicação, nesta e em qualquer seara, significa predisposição para refazermos o que imaginávamos já estar pronto e acabado, quantas vezes for necessário, até atingirmos, mesmo que minimamente, aquilo que havíamos idealizado inicialmente. Quando deitamos nossas vistas nas páginas que nos contam um cadinho a respeito da vida dos grandes mestres - de todas as artes - que povoam a história da humanidade, não vemos nenhum deles que dizia, para si mesmo, que pretendia fazer um trabalho “mais ou menos”, ou que almejava realizar uma tarefa “do jeito que der”, ou que iria entregar tudo que tem para ser entregue “assim mesmo, nas coxas”. Não. Os olhos deles estavam voltados para outra direção, para horizontes mais elevados e límpidos. A direção para qual nosso olhar se volta, seja para “o mundo da vida vivida na base da gambiarra”, seja para “o universo das realizações bem acabadas”, depende, necessariamente, do quanto nós exigimos de nós mesmos e, é claro, do quanto nós esperamos que os outros façam por nós o que é de nossa total responsabilidade. É bem aí que mora a encrenca toda. Se nós nos habituamos a almejar sempre a superação em nossas realizações, tornar-se-á claro que o normal não é nos satisfazermos com o mero “fazer por fazer”, mas sim, o procurar “fazer o melhor possível”, principalmente quando isso parece ser impossível aos olhos dos outros. Detalhe importante que não pode ser esquecido: melhorar sempre é possível quando essa possibilidade depende do nosso esforço. E aprender qualquer coisa depende, fundamentalmente, da nossa vontade, do quanto realmente queremos aprender. De um modo geral, quando estamos aprendendo algo novo, é natural que não assimilemos, de cara, a lição ensinada com a perfeição minimamente exigida e, por isso, é imprescindível que sejamos corrigidos, orientados e, se necessário for, admoestados, para deixarmos de ser soberbos e, com docilidade, realizarmos a lição de forma reta. É fundamental, como nos ensina Hugo de São Vitor, que sejamos humildes para que deixemos de ser medíocres. E é dessa maneira que nós dilatamos nosso horizonte de compreensão, ampliamos o nosso vértice de realização e aumentamos o nosso círculo de ação e, tudo isso, apenas é possível, se aprendemos a ser pacientes e perseverantes em tudo o que fazemos. Mas como poderemos ensinar uma e outra virtude se no mundo atual ouvimos em todas as latitudes e longitudes que tudo é relativo e, por isso, tudo deveria ser tido na conta de aceitável? Ora, a consequência lógica da relativização de todos os valores, e de todos os bens que os comunicam, é isso mesmo, não tem choro, nem vela. Se tudo é relativizável, qualquer coisa acabará sendo aceitável, mesmo que seja um tremendo absurdo. E se não gostarmos disso, em dois palitinhos seremos rotulados de retrógrados, preconceituosos, ou de algum trambolho similar. Ora, meu caro Watson, quando não existe a possibilidade de sermos advertidos com uma reprovação para, noutra ocasião, termos a oportunidade de refazermos o caminho que foi tergiversado por nós, o que se está dizendo é que a correção realizada pelo mestre não deve ser levada a sério e que, nessas terras de Pindorama, tudo tem o seu valor supremo, mesmo que seja algo que, no fundo, não tenha valor nenhum, pois, se tudo é relativo, a reprovação não tem sentido. Nem a reprovação, nem o que é ensinado. Se o escritor português Lobo Antunes forjasse sua arte tendo como métrica esse critério torto, com toda certeza ele jamais se entregaria ao trabalho soturno de realizar a revisão, da revisão, da revisão do texto, mas também, ele não seria Lobo Antunes. Da mesma forma que Naruto jamais seria quem ele se tornou sem a sua ranheta perseverança e, é claro, sem a sua paciência relutante. Quando aceitamos toda essa conversa fiada parida por essa esparrela pedagógica que infesta a décadas e educação brasileira, e que nos leva, das formas mais canhestras, a justificar os frutos da desídia cognitiva como se esses fossem apenas o produto mal compreendido de “formas diferentes de aprender”, nós estamos, sem querer querendo, sendo coniventes com a desfiguração do bem mais precioso que temos: nosso caráter, nossa personalidade, nossa inteligência, nós mesmos.
Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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