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Crônicas
29/04/2022 - 06h37
Triste Brasil
Rangel Alves da Costa
 

Em obra-prima da antropologia e intitulada “Tristes Trópicos”, o pesquisador belga Claude Levi-Strauss traça um panorama essencialmente pessimista do Brasil. A partir de suas pesquisas etnográficas desenvolvidas na década de 30, o professor Strauss chegou chegaria à conclusão que mesmo sendo um país de triunfante beleza e de natureza exuberante, o Brasil pecava de males que o colocaria como um belo tapete encobrindo lastimosas situações.

A degradação ambiental, o crescimento desordenado das cidades, o esfacelamento das relações sociais, as discrepâncias no acesso aos bens de sobrevivência, a situação deplorável da causa indígena. Com efeito, focando principalmente as sociedades indígenas por ele visitadas em expedições, Strauss chama atenção - já naquele período - para o desprezo que as culturas e as tradições indígenas estavam relegadas. Povos originários já sendo alcançados pela devastadora modernidade.

Passaram-se os anos, mas as reflexões continuam com plena validade. Contudo, a atual tristeza dos trópicos possui uma amplitude ainda maior. Um entristecimento que abarca a visão sobre os poderes da República, sobre governantes e políticos, sobre julgadores, sobre a mídia, sobre os costumes, sobre o pensamento da população. Nada, absolutamente nada no Brasil, parece ser respeitado. A inversão de valores passou a ser de tal monta que hoje se tem como normalidade o absurdo, o espantoso, o jamais imaginado para um dito Estado Democrático de Direito.

Será que estes trópicos se alegram com babaquices como Big Brother Brasil e outros formatos de enojar? E devem chorar ao saber das inúmeras pessoas apaixonadas por tais manipulações da realidade. Daí que nas pessoas também a corda sendo puxada para o imprestável, para o abismo. Não há que se esperar grandes coisas de pessoas que ao invés de procurar engradecer pelo conhecimento, eis que acabam preferindo o lamaçal dos degradantes modismos.

Hoje, por exemplo, todos os sites noticiosos estampavam textos e fotografias sobre o namoro da atriz Fernanda Souza com uma mulher, e repetindo-se com fatos novos sobre o mesmo nada. Será que não existiria nada mais sério e interessante nestes trópicos apunhalados pela babaquice? Ou será que a realidade brasileira se resume à traição da mulher com o morador de rua, ou ainda a exposição e os detalhamentos dos trisais existentes por aí? Mas é o que a mídia parece se preocupar. E tudo como se toda a população tivesse que engolir a qualquer custo.

Não há mais fome nestes tristes trópicos? As pobrezas, as carências e as mendicâncias já se generalizaram de tal forma que não merecem mais qualquer destaque na grande imprensa? Será que não vale mais a pena o conhecimento dos sofrimentos e das dores ainda tão presentes nos sertões? Com efeito, muita coisa não há mais que ficar batendo na tecla, principalmente pelo fato de que já fora constada a morte de muita coisa: a seriedade no povo, o seu poder de indignação, a incessante luta para mudar o caos em esperança.

Realmente, triste é constatar que o Brasil já desfaleceu em muitos aspectos. Um governo democraticamente eleito, mas que elege a tirania para se manter no poder, já diz bem ao ponto de fragilidade que estes tristes trópicos passou a ter, e medonhamente conviver no seu dia a dia de abusos e opressões. Um governante que prefere ferir a todos em nome do mando, que prefere rasgar as leis a respeitar as decisões, que prefere negar a aceitar as verdades, não poderia vingar noutro país senão nestes tristes trópicos.

Não pode ser tida como uma nação civilizada aquela onde parte de sua população tem preferência por manter no poder um ditador, um sanguinário, uma pessoa demoníaca e extremamente perigosa. Que povo é este que perdeu a consciência de realidade, que parece acometido de cegueira das boas virtudes, que aplaude e fanatiza aquele que mais adiante irá lhe apunhalar? Strauss ficaria envergonhado com tal realidade existente nestes tristes trópicos.

O país onde o dinheiro compra tudo, principalmente a honra e o caráter de políticos eleitos pelo povo, e somente para depois se tornarem algozes desse mesmo povo. E todos têm que aceitar calados, sem insurgência ou luta alguma, pois também sabem com quem estão lidando. E lidam com uma população que se preocupa mais com o Big Brother Brasil do mesmo com o seu futuro, que acha mais importante saber que roupa usou a famosa ou da namorada mulher de outra mulher. 

Tristes trópicos. Triste Brasil!


Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).

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