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SEÇÃO
Crônicas
14/04/2022 - 06h43
Osório Abath Filho
Damião Ramos Cavalcanti
 

Acredito que, provavelmente, foi Padre Fernando Abath que o tenha indicado para ensinar Biologia, no Curso Científico do Seminário Arquidiocesano, educandário que primava em oferecer abundantemente as disciplinas das escolas públicas, como o Lyceu. Ao mesmo tempo, cursávamos o “científico e o clássico”, este último excepcionalmente com literaturas brasileira e francesa, e ainda, durante seis anos, com latim, grego. O atual Padre Luís Couto testemunha que aprendemos com Osorinho reconhecer quem estivesse afetado de vermes, com a ajuda do velho microscópio do mestre. Sabíamos desenhar as formas dos óvulos, como “dever de casa” e comprovar como assunto das provas de Biologia.

Com esse conhecimento, com o microscópio e a caridade, passamos a realizar exames de fezes, no Baixo Roger, na Ilha do Bispo e em toda a margem dos rios Sanhauá e Paraíba, até a Praia do Jacaré; o resultado era um aviso... Ocasião em que víamos, das crianças aos adolescentes, a vida difícil daquela gente, na habitação e da alimentação à saúde. Assunto que também discutíamos, politicamente, com o competente acadêmico de Medicina, no ensino da Biologia, com quem discordávamos sobre as diferenças existenciais entre a hipófise e a alma. Nesse sentido, Osorinho também discordava do seu primo, Padre Abath, e certamente do primo segundo, Padre Marcos Trindade.

Osorinho era sempre jovial e simpático, ostentava um largo sorriso às suas amizades. Trocava livros comigo, naqueles idos de 60, mas não deixava de ter em mãos uma revista em quadrinhos, enquanto esperava que chegassem seus alunos à sala de aula. Lembro-me do primeiro livro que me emprestou: As Chaves do Reino, de Cronin. E sabia comentar comigo essas leituras. Certo dia, Osorinho se encheu de emoção ao perceber que, com seu ensino e sua instrução, seus alunos de Biologia tinham dado assistência de saúde a uma boa parte das crianças da periferia. Isso reforçou a relação de amizade, dentre a qual me incluo e da qual continuei a desfrutar.

Tendo voltado do meu curso de Filosofia em Roma (1966 a 1970), em lazer pelas praias do Conde, acidentei-me numa das estradas arenosas de Jacumã e fui levado ao Hospital Samaritano de João Pessoa. Deveria fazer uma cirurgia na bexiga, que sangrava, mas quem operaria o pobre professor da Faculdade de Guarabira, sem seguro de saúde e recursos para os honorários médicos? Foi quando reapareceu o Dr. Osório Abath, bondoso como o pai, chamando-me pelo nome: “Damião, não lhe explico o que é bexiga, porque você foi um excelente aluno meu”. Retirava ele ali uma preocupação maior do que as dores que eu sentia... O ex-aluno, emocionado, nunca deixou de lhe render gratidão, e, por isso, essa crônica é também fruto desse agradecimento.

Tudo veio à cena, quando vim saber, muito sentindo, da mensagem do Conselho Regional de Medicina, externando o mais profundo pesar pela partida de “Um homem de honra que dedicou a vida ao serviço da saúde e do bem”; tratava-se de Osório Lopes Abath Filho. Tudo passa, mas a alma, bem maior, coexiste com a hipófise, nunca pequena em ser espírito de quem é grato. Quando a pessoa e suas ações se mostram bondosas, são substanciadas de beleza; e suas lembranças se tornam inesquecíveis, sobretudo se na beleza houver amor e ternura.

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