No período que se estende no pós II-Grande Guerra até 1980, o Brasil teve 33 anos, em dois ciclos de expansão, em que a taxa de crescimento da economia foi superior a 7,5 % ao ano. Se tivéssemos mantido esse ritmo de crescimento, o brasileiro poderia ter atualmente, em média, um padrão de vida equivalente ao que tem o italiano ou o espanhol hoje em dia. Entretanto, nas últimas quatro décadas, o Brasil tornou-se um país de baixo crescimento econômico, sendo que, desde 2014, a nossa economia encontra-se semiestagnada com quase 30 milhões de desempregados, subempregados ou desalentados (os que deixaram de procurar emprego). A falta de um processo de crescimento sustentado da economia brasileira tende a expandir o tripé das desigualdades sociais ao longo do tempo: as desigualdades da renda entre as famílias e entre as pessoas, as desigualdades da riqueza financeira e não financeira, e, principalmente, as desigualdades de oportunidades para que os jovens possam realizar os seus projetos de vida. O Brasil tem uma das mais elevadas taxas de desigualdades sociais do Mundo, o que ficou escancarado durante o ciclo da pandemia do coronavírus. Há, atualmente, segundo o IBGE, mais de 67 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza, dos quais muitos se encontram na miséria social. Somos uma sociedade dividida entre poucos brasileiros muito ricos e muitos brasileiros pobres e miseráveis. Em um país de baixo crescimento ou em recessão crônica não se forma um excedente econômico que possa financiar as políticas de geração de renda e emprego ou, até mesmo, as políticas sociais compensatórias. As experiências históricas de diversos países nos mostram que: • As economias de mercado que apresentam melhor desempenho econômico sustentado são as que têm os melhores indicadores de igualdades sociais. • Políticas econômicas que aumentam as desigualdades sociais resultam em menor crescimento econômico. • As economias de mercado que têm piores indicadores de desenvolvimento social sustentável são as economias com pior distribuição de renda e de riqueza, independentemente do seu nível de desenvolvimento. • Políticas públicas bem concebidas e implementadas têm a capacidade de reduzir sensivelmente o número de pobres e de miseráveis de um país ou de uma região. • Economias de mercado que se envolveram em processos excessivos e dominantes de financeirização têm os seus níveis do tripé de desigualdades acentuados. Entre os indicadores de desigualdades mais recentes, dois fatos merecem destaque: cresceu o número de pobres que se tornaram miseráveis (segmentos D e E da sociedade) e é possível identificar as trajetórias de empobrecimento de grupos sociais da classe média (funcionários públicos, profissionais liberais, microempresários etc.) pelo desemprego, pelo apelo ao subemprego, pela fragilidade financeira ou pela perda de poder aquisitivo. A trajetória, nesse caso, tem observado, frequentemente, o seguinte passo a passo: após a primeira queda de renda real, busca-se recompor o padrão de vida através da monetização dos ativos financeiros e não financeiros acumulados no passado. Esgotada essa alternativa ao longo dos meses, o efeito cremalheira ou a resiliência do padrão de consumo já conquistado induz a diferentes formas de endividamento (cartão de crédito, prestações), que pode ser fatal no momento seguinte. Um novo passo ocorre quando se abre mão do padrão de consumo, migrando do plano de saúde particular para o sistema público de atendimento à saúde, do aluguel em residências localizadas em bairros de classe média para moradias em áreas periféricas etc. Nesse passo a passo, acumula-se o desalento, perde-se a autoestima, aumentam o estresse e a tensão emocional. Quando um país passa por uma recessão prolongada ou por um extenso período de crescimento econômico muito baixo, a pobreza vai se configurando em diversos patamares que se diferenciam quanto ao acesso dos pobres a bens e serviços públicos e privados que atendam às suas necessidades básicas de sobrevivência, com o mínimo de dignidade humana. Não basta destacar como evoluem os indicadores de concentração de renda e de riqueza nacional, é também necessária uma imersão nas entranhas de cada patamar da pobreza a fim de se formularem e implementarem as políticas públicas mais adequadas à realidade de cada um. Se a atual geração deixar como valor de legado para as futuras gerações de brasileiros uma sociedade dividida entre poucos ricos e muitos pobres miseráveis, terá confessado sua derrota na boa luta para a construção do futuro. E como disse o nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, em “Elegia 1938”: “Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição porque não podes sozinho dinamitar a Ilha de Manhattan”. Nota do Editor: Paulo Haddad é membro do conselho consultivo no Instituto Fórum do Futuro. Economista, com especialização em Planejamento Econômico no Instituto de Estudos Sociais de Haia - Holanda, Professor Emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, ex-Ministro da Fazenda e do Planejamento. Presidente da PHORUM Consultoria e Pesquisas em Economia e Diretor da AERI - Análise Econômica Regional e Internacional.
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