Eu era ribeirinho, mesmo não tendo nascido nas beiradas do rio. Mas na minha veia escorria todo azul molhado das águas do Velho Chico. Eu era beiradeiro, mesmo não tendo vindo ao mundo junto ao leito remansoso das curvas do São Francisco. Mas minha geografia espiritual, entre serras e montes de minhas crenças, sentia o rio escorrendo por entre os rochedos da fé e as paredes úmidas da devoção. Eu era canoeiro, mesmo jamais tendo possuído um barco de vela ou canoa de fundo raso. Mas meu olhar se lançava nas águas e seguia remando até lançar a rede ou a tarrafa perante os cardumes de sóis ao entardecer. Eu era pescador, mesmo jamais tendo fisgado uma piaba ou peixinho qualquer. Mas meu anzol adentrava com tal firmeza em meio às águas que muitas vezes o rio inteiro era trazido na palma da mão. Eu era nego d’água, eu era carranca, eu era o desconhecido entre as panelas e pedras do Velho Chico. Eu era o encantamento e o misterioso, era a proteção e o afastar dos temores. Eu era a margem e o porto, o cais e o buquê de saudades nas mãos de quem tanto esperava. Eu era o lenço e o abraço, a lágrima caindo e o amor devotado. Eu era o rio. Eu era o Velho Chico. Eu era o rio. Mas como o amor não acabou, ainda sou o rio... Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).
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