As imagens são fortes demais. Mil textos e reportagens não traduzem uma imagem de uma família morta pelos russos em pleno corredor de fuga. Velhos e velhas saindo dos escombros para depois caminhar levando somente uma trouxa de roupas ou de qualquer coisa. Cabeças abaixadas, talvez tanto faz que mais um ataque lhes tire de vez a vida. Ela já está sendo retirada. Pais e mães carregando filhos sem qualquer direção. Filas e mais filas de pessoas sem qualquer direção. Ao longe e pelos arredores, somente a fumaça das ferozes investidas e os destroços do que historicamente existiu. Roupas grossas tentam proteger do frio ou dos infortúnios de mais adiante. Dificilmente se avista alguém levando mala ou uma porção maior de suas posses. As pessoas apenas seguem e tudo vai ficando para trás. E com a terrível incerteza de algum dia voltarão. Edifícios grandes atingidos por foguetes. Prédios históricos sendo derrubados pela insana artilharia. Escombros e restos por todos os lugares. Incêndios e chamas são avistados pelos horizontes. E os ataques avançado sobre vidas. Mas quem está fazendo tudo isso? Quem está matando um país inteiro? Os comandantes e os poderosos não estão ali, não estão nas frentes de batalha. São jovens, quase meninos, que são forçados a investir e matar outros jovens e meninos, mas também pessoas de todas as idades. Putin está em sua fortaleza de proteção nuclear. Seus principais comandantes apenas dão ordens sem sair da proteção. Mas pelas estadas e ruas da Ucrânia milhares de enviados levando a morte em seus tanques e armas. Muitos desses jovens sequer sabem os reais motivos de estarem ali ceifando tantas inocentes vidas. A salvação é a fronteira. Todos fogem e todos correm para as fronteiras. Casas, bens, roupas, móveis, vidas longamente construídas, tudo vai ficando para trás. Tenta-se salvar apenas a vida, o sopro no espírito que ainda lhes resta. Um filho vai carregando a mãe nas costas. Um pai vai tentar conter o choro, a fome e a sede do filho. Não há nem tempo de olhar para trás ou de retornar para pegar o pão e a garrafa de leite. Sua casa já está em chamas. As ruas parecem vazias, com apenas os focos de incêndios e os escombros marcando presença. Mas assim porque as fotografias não falam, não gritam, não agonizam, não choram a dor do espanto e da morte. Por todo lugar, quantos gritos, quantos choros, quantos berros aflitos? E quantos sons ensurdecedores de tiros e bombardeios, de aviões mortais que passam rasantes, dos mísseis cruzando os ares, do terror avassalador por todo lugar? E pelos canais televisivos o “filho da putin” mandando avançar mais, ordenando mais ataques e mais mortes. Como dito, as imagens que chegam são suficientes para mostrar a dimensão desumana e terrificante dessa guerra forjada objetivando a usurpação de um povo e sua pátria. As imagens, contudo, não mostram os olhos das crianças e dos idosos ucranianos. Mas vejo e sinto cada face e cada olhar. Não há palavra que expresse o que vejo e sinto, contudo. Não há mais olhar, apenas a reflexão do medo, a profundidade da dor e o negrume da desesperança. E eu aqui sabendo que logo estarei em minha cama, que tenho comida quente e uma porta e janela para fechar. E eu aqui pensando que tenho pouco e que me falta muito. E eu aqui pensando que sou infeliz. Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).
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