Uma das disposições fundamentais que devemos cultivar em nosso íntimo, quando vamos estudar a tal da História, é a de estarmos dispostos a nos permitir ser surpreendidos. Sem isso, ao invés de ampliarmos o nosso horizonte de compreensão e o nosso leque de referências, corremos o risco de apenas ficar chafurdando no lamaçal dos esquemas mentais fáceis e dos cacoetes ideológicos toscos que, infelizmente, não são poucos. Por exemplo, é uma obviedade ululante que existem muito mais personagens interessantes e curiosos na jornada humana sobre a terra do que somente aqueles que tem o seu lugar de destaque garantido no panteão da historiografia e conhecê-los é uma empreitada simplesmente fascinante. Outra pendenga gritante é que todos os personagens históricos, que ocupam ou não um pedestal mais vistoso no palácio dos memoráveis, sempre são figuras tremendamente complexas e contraditórias e, por isso, sempre acabamos conhecendo algo novo e desconcertante sobre inúmeros indivíduos que presumíamos conhecer muitíssimo bem, mas que, “sacumé”, não conhecíamos assim tão bem. E é claro que isso, de jeito maneira, torna legítima essa mania de dizer que a verdade histórica seria relativa, nada disso. A verdade é a alma da história e é isso que toda pessoa sincera procura conhecer quanto deita suas vistas nas páginas carcomidas da mestra da vida. O “x” da questão é que a procura pela verdade sempre é tremendamente problemática e nós, por nossa própria constituição, somos limitados e diminutos diante de toda a vastidão da experiência humanamente vivida por aqueles que nos antecederam. Aliás, essa encrenca toda é que é o grande barato do estudo da história: conhecer aquilo que até então nós não fazíamos a menor ideia que existia e corrigir aqueles inúmeros pontos que, até então, acreditávamos conhecer tão bem. Naturalmente, por nos embrenharmos nessa aventura, nós não iremos corrigir os descaminhos adotados pelos outros, mas poderemos, gradativamente, ir corrigindo a nós mesmos e, tal correção, como todos nós sabemos, é o alicerce fundamental da construção do conhecimento e a pedra angular da formação do caráter.
Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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