Do dia para a noite (ou da noite para o dia) o Mundo virou de pernas para o ar. A guerra convencional, que pensávamos já extinta ou restrita a grupos rebeldes e de poucos recursos em regiões definidas do planeta, é exposta globalmente como um show televisivo. Os ucranianos, armados de espingardas, paus, panelas e outros instrumentos singelos, encaram o poderoso exército russo. Assistimos até o blefe - coisa comum em guerras primárias - onde cada parte exagera em relatar seus feitos. O regime de mentira é sentido na atmosfera e nós, que não somos ucranianos nem russos e estamos longe do conflito, não sabemos em quem acreditar. Mas o importante é que se encontre a solução e essa insanidade tenha o mais rápido fim pois, a cada dia que passa são mais vítimas pessoais e prejuízos materiais que, depois da guerra, terão de ser reparados. Os adversários de Jair Bolsonaro - que defenderam o cancelamento de sua viagem à Rússia, marcada meses atrás - pediram também que ele condenasse a atitude russa. Diferente do seu comportamento impetuoso que conhecemos, o presidente não assumiu nenhum dos lados no conflito, que se dá entre dois aliados e amigos do Brasil. Pediu apenas que fizessem tudo para evitar a guerra (o que, infelizmente, não ocorreu). Consumado o embate, assinou o pedido de cessar-fogo da ONU (Organização das Nações Unidas) e agora anuncia acolhida humanitária de refugiados ucranianos. Brigar com a Rússia é para os Estados Unidos e países líderes da Europa. Talvez o ponto do equilíbrio seja encontrado na China. Coisa para as potências militares ou econômicas. Os contumazes colocadores de Bolsonaro em saia-justa precisam tomar cuidado para evitar que, além de constranger o presidente, provocar situações a que possam prejudicar os interesses do país na economia e nas relações internacionais. Em vez de aconselhar empiricamente o que fazer ou deixar de fazer, deixem que o Governo, o Congresso Nacional e a diplomacia, com seus especialistas, façam o que for melhor para o relacionamento brasileiro com as outras nações. Interessante lembrar que, apesar da guerra fria no pós-guerra, Rússia e Estados Unidos foram aliados na 2º Guerra Mundial, de cuja união resultou no desmantelamento do Eixo, formado por Hitler (Alemanha), Mussolini (Itália) e Japão, que ao final do conflito renderam-se aos Aliados (Estados Unidos, França, Inglaterra e União Soviética). Hoje a situação é diferente. A Rússia, herdeira principal da União Soviética, é quem ataca a Ucrânia, também uma ex-república da URSS. No entanto, o conflito que tinha tudo para ser ultra-localizado, mobiliza o Mundo. Traz o risco de ataques nucleares e espalha o temor da possibilidade de se transformar no estopim da suposta e improvável 3º Guerra Mundial. A constituição atual do planeta é muito diferente da dos anos 30/40 do século passado, quando ocorreu a 2ª Guerra Mundial. Temos alta tecnologia, velocidade nas comunicações e a economia globalizada. Dispomos de instrumentos - muitas vezes ineficientes porque politizados - de mitigação de conflitos. Ressurgem, porém, os mesmos fantasmas que atormentaram as gerações passadas: a guerra fria, a guerra convencional e a 3ª Guerra. No atual estágio, não há razão para repetir o sistema pendular de forças que contrapunham Estados Unidos e União Soviética no pós-guerra, não há razão para guerra convencional quando há tecnologia para realizá-la num sistema similar ao videogame e com eficácia e, por razões óbvias, até questão de sobrevivência da espécie, ninguém pensa em 3ª Guerra diante do risco de não sobrar quem possa contar a história. O Mundo precisa agir de forma contemporânea. Os encarregados pela economia, política e relações sociais têm a obrigação de abandonar os velhos dogmas - direita, esquerda, centro e suas variantes - e olhar ao seu redor o grande número de recursos e oportunidades para se desenvolver e garantir o bem-estar geral. Chega de colocar à frente idéias que oportunistas de séculos atrás conseguiram impingir aos seus contemporâneos e as futuras gerações tomaram como adequadas. Dos dogmas temos de guardar apenas as informações para não correr o risco de repetir os erros do passado. O Brasil, especificamente no conflito Rússia-Ucrânia, não deve mirar em vencedor, mas na solução mais rápida dos embates. Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
|