Muitos eventos da natureza e da ação dos astros provocam profundas reações ao homem e à própria natureza. A lua possui infinito poder de agir perante a mente humana, de provocar tempestades e até de provocar grandes devastações. Diversas enfermidades provocam sofrimentos ainda maiores perante a lua cheia, por exemplo. Lobos uivam com mais insistência, as marés avançam impetuosas, os loucos enlouquecem perdidamente. Mas quando chove se tem igualmente uma profunda transformação no espírito humano. Não a chuva de tempestade, aterradora, devastadora, mas a chuva que apenas cai para molhar a terra e se deixar levar pelos córregos e asfaltos. A chuva da noite então possui uma força indescritível, principalmente quando a pessoa está carregando sobre si um peso terrível de diversas situações. Solidão, saudade, pesar, luto na alma, distanciamento e abandono, tudo vai se tornando em verdadeiro temporal perante a chuva noturna. Quantos gemidos e lágrimas derramadas em quartos fechados, por detrás de janelas, por cima de camas, em travesseiros molhados. Dores e sofrimentos que parecem não acabar. Tristezas e agonias que aumentam no compasso dos pingos caindo, da chuva lá fora. Quantos gritos aprisionados, cabelos destroçados, corpos lanhados, por uma saudade dentro de uma noite chuvosa. Cada pingo caindo é como valsa triste, como sonata de solidão, como rapsódia torturando a alma. No quarto escuro, apenas o barulho dos pingos caindo lá fora. Vontade de correr, desejo de gritar, descomunal vontade de abrir a janela e abraçar a chuva. Ou deitar ao chão e espernear, ou dançar a valsa dos loucos, ou se perder na noite atrás de qualquer sol. Quando chove na noite há permissão de ser lobo, de uivar, de gritar, de grunhir, de subir a montanha e clamar por um nome. Há permissão de ser bicho subindo ao monte para rosnar e prantear todas as dores do mundo. Quando chove na noite há permissão de loucura, de ensandecimento, de perder totalmente o juízo. Há permissão de sair de si, de querer voar, de querer ser pingo caindo em busca de um canteiro. Há permissão de conversar sozinho e de beijar a boca que tão distante está. Quando chove na noite, ah quando chove na noite! O corvo negro surge em voo trazendo uma triste lembrança. Pios arrepiantes, uivos apavorantes. Ai como dói a certeza da solidão e a impossibilidade de voltar no tempo. Quando chove na noite o solitário se faz poeta e vai tecendo versos na vidraça em frente. Palavras e nomes, flechas e corações, lágrimas caindo, tudo se derramando. E do lado de fora, perante o amarelado da luz se espalhando no poste, a sensação de que alguém está ali. Mas nunca está ali. Quando chove a pessoa se molha por fora e por dentro. A lágrima que cai nada significa perante a enxurrada que vai se formando. E depois vem a inundação, a correnteza, um mar imenso que furiosamente vai levando seu náufrago. Quando chove eu logo retiro meu barco de dentro de mim. Solto os panos, seguro o leme, e vou firmando a proa em boa direção. Mas não tem jeito. Navego na solidão e naufrago no mar que nunca se afasta de mim. Uma fúria chamada solidão! Uma solidão em furiosa devastação. Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).
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