Há indivíduos que, ao estenderem dores e consequências dos seus males, usam duas máscaras, como se fossem, no teatro grego, um só personagem usando duas máscaras, duas persona, de que provém a palavra pessoa, diferente de indivíduo, ou que tem personalidade. Não acontecem duas personalidades num mesmo indivíduo, que queira utilizar essa duplicidade, conforme seu interesse, no trajeto de enganar, tripudiar ou mentir. Nesse aspecto, a dualidade num indivíduo supera, em maldade, a conceitual dualidade das coisas, que naturalmente são isentas de más intenções... Pretender fazer o mal é um desejo mefistofélico, desejo de não sei o quê... Não compreendo como o desejo, coisa tão boa, contaminar-se-ia com a dualidade enganosa e enganadora, das duas faces que, no momento de caracterizar, não atribuem caráter ao indivíduo. Enfim, não lhe dá caráter para identificá-lo ou não lhe propicia personalidade. Ao se conceituar um indivíduo, segundo seu perfil ou histórico, perguntar-se-ia: Como é sua personalidade? Quanto às coisas, tomo como exemplo, as duas faces da nossa nostalgia, que às vezes, ocorre, para lembrar o que é bom, o passado que foi desejado, mas não se tornou realidade. Desprezo a expressão dos que dizem “o que passou passou”. Isso também desdenha a integridade do tempo, que é um continuum, seja considerado passado, presente ou futuro. Ninguém vive só do presente, tampouco, só do futuro... Desejar é isso, nessa amplitude do tempo: desejar o que não se tem ou não se obteve, mesmo no passado. Ou o que ainda se conseguirá no futuro. Seria o desejo motivo de querer tornar realidade o que se quis e não se conseguiu. A lembrança de tais desejos causa, potencialmente, tais acontecimentos. Antoine de Saint-Exupéry, mesmo citado, como dizia Wills Leal, pelas candidatas a Miss, no concurso das suas belezas, e em figuras para crianças, no Pequeno Príncipe, revela-nos um pensamento profundo: “A lembrança é o desejo de não sei o quê... O objeto do desejo existe, mas não existem palavras para dizê-lo”. Talvez nisso haja a força da lembrança. Isso, quem sabe, constituiria a outra faceta da nostalgia. Ninguém é capaz de lembrar o futuro, que pode ser feito de sonhos ou apenas de desejos. E isso é bom! O ruim e maldoso é o indivíduo possuir duas caras, como tivesse duas personalidades. Ora, ter duas personalidades é não ter alguma... O mal dessa gente é a falta de sinceridade, escondendo-se atrás de uma das máscaras, de uma das duas fisionomias, como convencesse a si próprio de que teria duas personalidades. Ora, repito, ter duas personalidades é não ter alguma... Na verdade, a lembrança nos faz sofrer pelo que já se foi e não foi completamente feito, conforme o então desejado. Isso constitui a dupla substância do desejo ou da nostalgia, quanto ao conceitual dessa coisa. Em relação ao indivíduo, a nossa personalidade se erige, durante nossa vida junto à família e ao nosso grupo social, com dignidade, numa só personalidade, que deve ser única, sem variações, e socialmente identificada e conhecida. Em Mário de Andrade, ser “trezentos (...), trezentos e cinquenta” para “um dia afinal, encontrar-se consigo (...)” é tarefa de longínqua finalidade, nessa curta caminhada, que é a vida.
|