No princípio era a Palavra, e Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus. (João 1:1) Poucas coisas me incomodam tanto quanto ouvir que “palavras não adiantam nada, não resolvem o problema brasileiro”. Acabei de ler algo assim. Olho para os livros que me envolvem cá onde trabalho. Milhões de palavras produzidas por pessoas que passaram suas vidas dedicadas a escrevê-las! Entre eles, alguns livros volumosos, encadernados, com obras primas da retórica universal. Palavras que impulsionaram ações que barraram o desastroso caudal por onde a civilização era arrastada. Obras que integram os anais do tempo em que foram escritas. Diferentemente do que afirmam aqueles que recusam às palavras o devido valor, foi o silêncio que nos trouxe até aqui. Foi o silêncio omisso dos que ficaram em casa, dos que permaneceram no sofá de sua cômoda omissão. Foi o silêncio dos que poderiam ter falado, contestado, protestado, mas sequer tinham algo a dizer porque deixaram sua cidadania no canto mais inacessível da mais empoeirada prateleira. Foi o silêncio dos que, nos parlamentos e nas cortes só falam quando as palavras fogem da verdade e tilintam como moedas. Foi o silêncio daqueles cujas convicções se intimidam diante de pesquisas de opinião e aceitam o cabresto do consórcio das empresas de comunicação, organizado exatamente para isso. Foi o silêncio, também, daqueles cuja ignorância é filha da miséria e simplesmente não entendem porque lhes foi tomado o direito de entender. Pergunto: será destes últimos, destes desditosos irmãos nossos, que vamos cobrar quaisquer desastres que suas decisões de voto causem à vida nacional? Como ousaremos fazê-lo? São os conectados, os modernos argonautas da Internet, que abandonam a missão no meio do caminho e nada levam adiante se isso exigir empenho ou contiver a simples ideia de renúncia ou sacrifício. Querem que outros “resolvam”, que outros repreendam seus congressistas, que outros se exponham aos riscos de suscitar a incontida ira dos tiranos. Enquanto perseveram na mais amorfa das simpatias, esperam que outros, que todos os outros, conscientizem seus familiares, vizinhos e amigos. Quando não, querem terceirizar aos demais as ações, os trabalhos e os riscos perante o presente e o futuro. Martin Luther King, num de seus discursos, sentenciou: “No final, não nos lembraremos das palavras dos nossos inimigos, mas do silêncio dos nossos amigos.” Nota do Editor: Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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