Curralinho, curralzinho, curral pequeno de gado, assim nasceu um viver que no sertão foi gestado. Na secura sertaneja, de flor de mandacaru e arvoredo alquebrado, um rio pulsou sua veia e abriu na terra seca o seu caminho aguado. São Francisco, Velho Chico, Opará, Rio Sertão, uma escrita do antepassado. Um fascínio que se alonga de coração todo molhado. Sua poesia vai sendo escrita em cada remanso espelhado. De canto a outro de suas margens, um povo ribeirinho de tanto orgulho encharcado. Pescador, canoeiro, um barqueiro e todo ofício que nas ribeiras é gestado. Lança rede, ajeita anzol, quer o peixe, a tarrafa faz redemoinho espalhado. O nego d’água em batim, a lenda da aparição, no leito o mito fantasiado. E na mansidão a água passa pelo mesmo caminho do passado. Na curva do rio a saudade do vapor e da carranca, do apito e do aceno, de um tempo docemente recordado. Cadeiras pelas calçadas nas alturas de um céu, temor que as águas avançassem e encharcassem as moradias de um povo assustado. Mas logo as águas baixavam e o rio era o mesmo rio, margeando aquela vida e o seu horizonte azulado. Um berço de lavadeiras e o seu canto afinado, mãos que esfregam e enxáguam, que estendem nos beirais o presente e o passado. E na singeleza do canto, o orgulho ribeirinho ecoado: “Lavo dor e sofrimento, lavo o lenço tão molhado, passo sabão na tristeza e no viver amargurado. Afasto toda sujeira, quero o brilho da alegria, quero um peito ensolarado...”. Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).
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