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SEÇÃO
Crônicas
10/02/2022 - 06h12
Aprender a não falar
Damião Ramos Cavalcanti
 

Primeiramente, aprendi a falar, na convivência com a minha mãe, com o meu pai e também com minha irmã Marilene. Meus pais eram bons professores, desses que conversam com seus filhos crianças, por qualquer motivo, dando-lhes palavras e mostrando as coisas, mesmo que não obtivessem, tão logo, quase nenhuma resposta. Eram os tempos de Pilar, até meus quase oito anos, já escrevendo alguma coisa, quando fomos morar em Itabaiana, e assim continuando a aprender a falar. Mas, em 1959, por incentivo do Padre João Gomes da Costa, meu pai me levou ao internato do Seminário Arquidiocesano da Paraíba, em João Pessoa, educandário que sempre primou em cultivar as palavras, até as estrangeiras, sobretudo suas raízes mater, fossem em latim, fossem em grego.

No entanto, cultivava sobremaneira a educação ao silêncio. Era proibido falar, exceto nas horas dos recreios. Todo outro tempo, bico calado, nenhum pio. O controle do respeito ao silêncio era rígido e sob severa vigilância por parte dos “suplentes” disciplinários. Zé do Galo, da paróquia de Mamanguape, não se continha, rompia o silêncio a cada instante; supunha-se que foi também por isso que ele recebeu “bilhete azul”, para voltar para casa, onde poderia livremente tagarelar na hora em que quisesse. A que serviria tanto silêncio? Foi quando comecei a sentir falta da liberdade dos tempos de casa, em que se conversava quando desse vontade de falar. Entendi eu que deveria adquirir “novo costume”: aprender a não falar... Ou seja: resignar-me a ficar em silêncio.

Havia toda uma teorização nesse sentido, que, inclusive, fazia parte de algumas pregações. Estar em silêncio alimentaria a vida interior; concentrar-nos-ia em nós mesmos, detendo a alma no mundo interior, sem alguma motivação fora do nosso espírito. Há quem ore de olhos fechados, meditativamente no silêncio, é como se fosse mergulhando na profundidade do eu, no escuro de si mesmo. Ao contrário, quem não se encontra consigo mesmo não suporta ficar sozinho e em silêncio, sem escutar um rádio, uma TV ou um telefone, às vezes, todos ligados ao mesmo tempo; tudo isso para se sentir existindo... É coisa de filme sobre vidas convulsionadas: chega-se em casa, liga-se tudo, no mais alto volume, mesmo que nada escute. O recolhimento requer fugir do fastio da vida e dos seus barulhos.

O silêncio é a linguagem que nos fala mais alto. No filme de Akira Kurosawa, Sonhos, num dos episódios, duas amigas se visitam, sob a curiosidade dos netos. Sentavam elas frontalmente, diante de um tapete de chá, horas e horas, sem dizerem uma palavra. Somente o silêncio lhes falava e despertava os sentimentos das suas experiências e agruras, após a explosão da bomba atômica, em Nagasaki. O silêncio atravessa o tempo, é mais poderoso do que o barulho, põe quem medita e reflete diante do passado, do presente e do futuro. O homem da sociedade barulhenta tem a índole avessa ao silêncio. Por tais razões, também aprendi a não falar... Abafam-se os gritos, os clamores e as explosões, mas nada ou ninguém reprime ou sufoca o silêncio. Como diz o poeta Drummond, “no silêncio e com o silêncio dialogamos”.

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