Faz um tempo, por volta das três da tarde, eu batia pernas à toa pelo centro da cidade. De repente, ouvi o som impactante: era mesmo Love Hurts? Era o grande sucesso dos anos 1970, da banda de rock escocesa Nazareth? Não acreditei. Voltei minha atenção para o meio da avenida. Dei de cara com uma charretinha enfeitada por uns panos coloridos, puxada por um maroto cavalinho marchador também todo emperiquitado. Aboletada numa tábua atravessada de um lado a outro, ia a família. O homem, com seus cabelos grisalhos, guiava o animal. A mulher, também de meia-idade, e um menino, que supus ser um neto, completavam o quadro surreal. A carroça, equipada pela potente caixa de som, fez a avenida parar. As pessoas, hipnotizadas sob o efeito arrepiante dos metais e o tom rouco do vocalista Dan McCafferty, por instantes, congelaram a vida. Fez-se um clima estranho no ar, e o som não se fez de rogado: era limpo, e tão ensurdecedor, que me teletransportou aos meus dezoito anos. Em segundos, cruzei as portas do Latitopo - lugar da cidade em que a gente se divertia. Foi isso! Quando a carrocinha me trouxe Love Hurts, o passado entrou senhor de si e tomou conta. Não foi triste nem nostálgico. Foi só o encantamento daquela música, às três da tarde, milhares de anos depois, me dizendo milhares de coisas sem uma palavra sequer. Tudo por culpa dela. Ah, a música e seus feitiços!
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