É inegável que as chuvas têm ocorrido acima da média. Nada imprevisível aos estudiosos e operadores da meteorologia, que conhecem os fenômenos climáticos a que estamos sujeitos. O que leva aos desastres, prejuízos, sofrimento e mortes, é a ocupação indevida do solo somada à falta de solução para problemas sobejamente conhecidos. Fruto da falta de regulamentos do passado, encostas, áreas de aluvião e muitos pontos do território foram ocupados irregularmente. E, desde então, os acidentes são recorrentes. Basta uma chuva mais forte - nem precisa ser do tamanho das registradas ultimamente - para a água invadir moradias e instalações e inundar vias públicas mal estruturadas ou indevidamente conservadas. É um problema que se avolumou minimamente nos últimos 300 anos de urbanização, quando o homem ocupou os locais usados pelas águas desde que o mundo é mundo. Os governos têm sido negligentes, especialmente porque não é obra para um mandato - de 4 ou 8 anos - e nem mesmo para uma geração (20 anos). Quem percorre qualquer cidade brasileira depara com problemas crônicos. São morros e suas áreas íngremes ocupadas por milhares de construções precárias, bairros e vias públicas implantados em áreas de várzea, pontos de estrangulamento em rios e riachos e dezenas de outros empecilhos - todos facilmente identificáveis - com que se convive há anos ou décadas. Por conta do elevado preço, a solução não é obra isolada para a prefeitura, o Estado ou a União. É algo que exige a soma dos três níveis governamentais e, possivelmente, a participação da sociedade e até da iniciativa privada. Não é coisa para um governo, mas para os três níveis e por sucessivos mandatos. No entanto, o imediatismo e os prazos político s dos empreendimentos (para poderem fazer parte do currículo dos seus realizadores) levam os governantes e a sociedade ao conformismo em vez do enfrentamento. Pelo menos nove dos 12 meses do ano não têm chuvas que impeçam a realização de obras e serviços. Porém, nesse período, ninguém se preocupa em desobstruir as galerias pluviais ou fiscalizar as construções sob risco de desabamento. Espera-se o sinistro, socorre-se as vítimas da forma possível e a vida segue, sem qualquer mudança de rotina. Isso precisa acabar. Não podemos nos conformar com o regime permanente de perdas e danos (inclusive de vidas) só porque um dia ocorreu a ocupação irregular. As administrações públicas têm o dever se se unir com responsabilidade para a busca de soluções, pouco importando se elas chegarão em um, cinco, 10, 20 ou mais anos. O importante é começar e ter a garantia de não parar mais para, um dia, poder ter eliminada essa fábrica de problemas e sofrimento. Em São Paulo, por exemplo, se tivessem continuado o Projeto Cingapura, construindo prédios no lugar de favelas, com as devidas modificações, muitos barracos não existiriam mais e seus moradores estariam protegidos. Deveriam os governantes - num ato de grandeza e acima de suas diferenças políticas - elaborar um empreendimento de governo em busca de solução para o impasse das águas e de sua difícil convivência com a comunidade. Os governos federal e estaduais, que dispõem de órgãos técnicos capacitados para o manejo da seca, das cheias e das dificuldades de relacionamento dos cursos de água com aquilo que o homem construiu ao seu redor, têm de juntar o conhecimento disponível e gerar planos de mitigação dos problemas. Criar prioridades e dar início ao trabalho. Quando conseguirem remover as construções das área de risco estarão economizando centenas, talvez milhares, de vidas. Se evitarem que os rios saiam de suas calhas e inundem casas e estabelecimentos, evitarão prejuízos dos mais variados e com isso proporcionarão qualidade de vida à população. Tudo o que se aplicar nessa tarefa não será necessário empregar emergencialmente no socorro a vítimas e a negócios sinistrados. Precisamos acabar com a magnitude da ação política, que tanto tem atrasado o país. Governantes devem observar que, uma vez eleitos e empossados, têm a obrigação de servir a todos e não apenas aos seus eleitores e partidários. As tarefas de governo não podem continuar subordinadas a interesses políticos, ideológicos ou de grupo. São coisas que afetam a todos e, portanto, têm de ser apolíticas e continuas como, por exemplo, a respiração que, se parar, leva o indivíduo à morte... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
|