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Opinião
02/02/2022 - 06h17
A chuva, o trato ambiental e o desastre
Dirceu Cardoso Gonçalves
 

Estamos, há algumas semanas, vivendo o desastre anunciado de todos os anos. As águas chegam bravias, inundando municípios e Estados inteiros, trazendo sofrimento, pânico e morte à população. É a conseqüência do descaso de governos, da sociedade e do próprio povo para o problema, que é um dos mais antigos, menos prevenidos e, até, provocado todos os dias. Em maior ou menor proporção, todos os anos observamos o mesmo drama com mortos, desabrigados e milhares de vítimas que acabam socorridas pelos esquemas públicos e privados. E somos conscientes de que no próximo ano será a mesma coisa, pois nada se faz para enfrentar eficientemente o problema. Passada a dor do povo e a cobertura midiática dos previsíveis desastres, todos se recolhem ao seu dia a dia e só voltarão a pensar a respeito quando os rios novamente saírem das suas calhas e as águas levarem tudo de roldão.

A Europa e os Estados Unidos enfrentaram situações análogas às nossas, muitos anos atrás, mas desenvolveram soluções que hoje mantêm os rios dentro da calha ou - quando a cheia é algo realmente fora do previsível - têm esquemas de defesa civil e socorro que removem as populações e até os negócios das áreas de possível inundação, ficando o prejuízo restrito aos prédios e mobiliário da área sinistrada. Há, nos países desenvolvidos, o estudo e esquemas permanentes de monitoramento, permitindo prever que em determinado ponto não haverá nova inundação “nos próximos 10, 20 ou 30 anos”. Na verdade, em tais áreas, a não ser por uma catástrofe totalmente imprevisível, nunca mais haverá cheia porque, no período dado como “garantia”, novas obras são realizadas para dilatar ainda mais o período de segurança. São muitos os recursos anti-sinistro e - o pior - os órgãos ambientais e os governos brasileiros conhecem tudo isso, pois frequentemente enviam técnicos para absorver conhecimentos. Mas não os aplicam ou o fazem com negligência e sem qualquer coordenação.

É desnecessário repetir que a ocupação das margens dos rios foi feita de maneira negligente e até criminosa, com as comunidades sujando a água que bebe e ocupando as margens que a natureza manteve por centenas ou milhares de anos como áreas de escape para a dissipação das cheias. Também não precisamos dizer que as obras hidráulicas das zonas urbanizadas não recebem a devida manutenção, que o povo joga lixo nas galerias e dentro do próprio rio e que, irresponsavelmente, as comunidades e até os órgãos públicos manejam inadequadamente as encostas de forma a provocar a queda da areia nos cursos d’água.

A política ambiental brasileira tem sido a pior possível. Em vez de prever e trabalhar pela solução dos problemas básicos - como o das inundações - seus praticantes miram no imobilismo que dificulta empreendimentos sob o argumento de preservar a Natureza e favorece o funcionamento de ONGs nem sempre produtivas e sujeitas a ineficiência e problemas. É visível aparelhamento das próprias ONGs, de órgãos de pesquisas e estudos climáticos e ambientais e, principalmente, o abrigo de militantes que fazem de conta trabalhar pela causa, mas ali estão em busca de votos que os elegem vereadores, prefeitos, deputados ou servem de caminho para o acesso a esquemas onde possam proporcionar elevadas rendas.

A origem dos problemas ambientais é sobejamente conhecida. Em vez de discuti-la e buscar outras vertentes - principalmente a ideológica - os governos, a sociedade e principalmente os órgãos que atuam na área (e para isso recebem verba pública) precisam cuidar de um cronograma sustentável de atividades que possa tirar o homem do caminho das águas com a certeza de que, por mais que façam, jamais conseguirão fazer o contrário. Governos - federal, estadual e municipal - têm de agir de forma conjugada ou jamais conseguirão chegar ao objetivo. Meio ambiente não pode ser matéria política ou ideológica, pois está acima de todas as ideologias e da sociedade. Seus ditames não admitem a separação ou partidarização das atividades. Enquanto isso ocorrer, teremos, todos os anos, dezenas, centenas ou até milhares de vítimas a lamentar.


Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).

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