“Vivemos hoje uma tremenda inversão de valores”, diz uma pessoa logo ali, tão confusa quanto perturbada. “Precisamos rever os nossos valores”, diz outro indivíduo mais adiante, tão agitado quanto confuso. E assim segue o rosário de lamentações nesta nau desgovernada que somos nós, cada um de nós, inclusive e principalmente esse que agora vos escrevinha. Se formos proceder de forma séria, serena e paciente, ousaremos começar a refletir sobre esse entrevero, em torno da destruição dos valores, a partir do seguinte questionamento, do seguinte autoquestionamento: o que nós, realmente, valorizamos em nossa porca vida? Dito de outro modo: quais são as primeiras ideias e anseios que arrebatam a nossa mente logo pela manhã e nos acompanham no correr de todo o dia? Quais? Pois é. Esses são os bens que colocamos no centro de nossa vida e é sobre eles que edificamos os valores que realmente valoramos. E é sobre esses nossos pútridos apegos que construímos o nosso caráter. Isso mesmo, não nos esqueçamos que as coisas apenas valem algo na medida em que lhes damos alguma importância. E apenas damos importância para aqueles bens que graciosamente entregamos a nossa atenção e, com ela, a nossa, como direi, devoção. Devotamos borbotões e mais borbotões de nossa atenção para inúmeras coisas, coisinhas e coisonas, menos para os valores que dizemos, escandalizados, que foram subvertidos e usurpados de nós. E é devido a essa nossa devoção pervertida que precisaríamos começar revisando a quantas anda o nosso coração antes de querermos aprumar e salvar os valores da tal sociedade ocidental, pois, francamente, de nada adianta querermos preservar algo que não encontra abrigo nem cultivo em nossa alma.
Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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