Na infância e juventude - anos 50 e 60 do século passado - ouvi muitos comentários de que comerciantes, fazendeiros e endinheirados da época lucravam pagando seus compromissos com cheque de outras praças, que demoravam dias para ser liquidados. Enquanto a compensação não ocorria, ficavam com os valores na conta bancária e isso lhes rendia juros. Renda sem produção, especialmente nos períodos de inflação alta. Também era comum os apertados, ao receber pagamento em cheque, correr na cidade de onde era a conta, para sacar logo. Era o tempo da máquina de escrever cuja conclusão do curso para seu manejo era motivo de diploma e até baile de formatura; e do telefone onde precisávamos pedir as ligações à telefonista e aguardar horas quando interurbano. Os bancos sempre apinhados de gente que iam depositar e sacar o dinheiro de seus negócios. Havia fila nos guichês de caixa e todos fugiam daquelas em que se encontrassem office-boys com suas conhecidas pastas que, quando abertas, expunham dezenas de transações e consumiam grande tempo. Nos anos 70, um salto de qualidade. Os primeiros computadores eram agregados ao sistema e milhares de fuscas amarelos, contratados pelos Correios, passaram a circular por todo o país no transporte de malotes entre as agências do Banco do Brasil responsáveis pela compensação. O tempo de liquidação dos cheques diminuiu, mas ninguém imaginava que, passadas cinco décadas - que para a história é um pequeno lapso de tempo - fossemos ter o cheque - e até o dinheiro físico - em tamanha baixa. Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em comunicado divulgado no último dia 14, a compensação de cheques caiu 93,4% entre 1995 e 2021 e, só no ano passado, o volume das transações encolheu 23,7%. No lugar de 3,3 bilhões de folhas de cheques compensados em 1995, tivemos 287 milhões em 2020 e 218 milhões em 2021. Do equivalente a R$ 2 trilhões em 1995, a soma dos cheques compensados caiu para R$ 667 bilhões em 2021. Até os cheques sem fundo, que são pesquisados desde 1997, ano em que somaram R$ 56,8 milhões, caíram para R$ 13,6 milhões no ano passado. O cheque - assim como o dinheiro em papel ou moeda - não desaparecerá, segundo os especialistas do setor. Mas a diminuição de sua circulação já é realidade. Em seu lugar estão os meios eletrônicos de pagamento, que respondem com 67% das transações. O Pix, colocado em operação em novembro de 2020 e disponível 24 horas por dias todos os dias, é hoje utilizado por 71% da população e tem índices crescentes de aprovação. É preciso, no entanto, providenciar mais segurança para o Pix. Sua disponibilidade e facilidade de operação acabou atraindo os criminosos que sequestram os portadores e fazem saques criminosos. O Banco Central, a rede bancária e quem mais tenha relação com o sistema têm o dever de resolver essa vulnerabilidade ou, não o fazendo, retirar o sistema de serviço. O cliente não pode continuar sendo visto pelos marginais como o nefasto sangue no olhar do vampiro... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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