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Opinião
12/01/2022 - 06h21
Capitólio, um problema de defesa civil
Dirceu Cardoso Gonçalves
 

Desde menino, no meu grupo escolar de então, ouvi dizerem que existem três elementos ambientais dos quais não podemos perder o controle porque são de difícil recuperação: a água, o fogo e a altura. Essa foi uma verdade que me acompanhou por toda a vida profissional e a experiência demonstra, cada dia mais, a sua importância. O ocorrido em Capitólio (MG), visto à distância, aponta para uma sucessão de erros e omissões que conduziram ao desastre e às mortes. Não sabemos se a integridade as estruturas que desmoronaram sobre os turistas eram fiscalizadas periodicamente e tivemos a notícia de que os operadores do sistema turístico ignoraram o alerta da defesa civil para não utilizar a área do sinistro em razão da instabilidade climática desse fim de semana. Penso que a defesa civil, se identificou o problema, tinha a obrigação de interditar a operação até se comprovar a solução do risco e que, não o fazendo, o Ministério Público terá todas as razões e motivações para apurar a atuação (ou a falta dela) e propor as devidas punições e a responsabilização profissional, civil e criminal dos agentes, pelos danos e mortes que ensejaram através de sua omissão.

O que ocorre naquele ponto do território mineiro é o mesmo que se passa em todos os reservatórios de hidrelétricas e similares existentes no país e até no mundo. A população regional utiliza suas águas para o lazer e alguns empreendedores mais arrojados atraem visitantes de regiões distantes. Mas nem sempre há o cuidado garantidor do uso adequado do recurso natural, principalmente quanto à não exposição dos usuários a riscos. Somos, até certo ponto, um povo arredio ao cumprimento de normas de segurança, especialmente as pequenas e, frequentemente, ocorrem os acidentes que de imediato impactam a opinião pública mas logo são esquecidos e a vida errante continua. As normas de segurança existem, os órgãos responsáveis são definidos, mas a fiscalização é falha. Quando ocorrem os sinistros, é comum lançarem-se acusações de negligência sobre os operadores e os órgãos públicos encarregados do controle. Tudo é recorrente e mais uma vez assistimos tudo isso.

Precisamos redefinir obrigações e - se for o caso - ampliar penalizações à negligência e acelerar procedimentos punitivos. Isso, se ocorrer, desencorajará operadores e autoridades porque os riscos de punição não compensarão os eventuais lucros da atividade indevida. Não podemos continuar no ritmo das apurações do incêndio da Boate Kiss (Santa Maria - RS) que ocorreu há 9 anos, fez 242 mortos e 636 feridos e as primeiras sentenças contra os culpados só começam a sair agora.

Somos um país desenvolvido dispomos de técnicas de segurança iguais e decorrentes das praticadas nos Estados Unidos, Europa e outros pontos avançados do planeta. Mas nos falta a efetividade do cumprimento das medidas e restrições constantes da legislação. Por exemplo, apesar de toda a celeuma sobre a obrigatoriedade do certificado de vistoria do corpo de bombeiros logo após o incêndio da boate gaúcha, milhares de imóveis públicos e particulares ainda funcionam sem o cumprimento dessa exigência, muitos deles porque não dispõem dos equipamentos de segurança exigidos em lei. Mas, mesmo assim, continuam funcionando e recebendo público, muitas vezes numeroso. A justificativa é de que se for cumprir as normas, os negócios ali existentes se inviabilizam. Prefere-se, então, expor a clientela a risco.

No tocante às intempéries, não há justificativa para as omissões. O histórico de chuvas é centenário, assim como o estudo sobre as mudanças climáticas do continente - hoje submetido ao efeito “la nina”, que potencializa as chuvas. Quem trabalha junto aos cursos de água precisa estar treinado e alertado para as possíveis e abruptas mudanças do tempo e saber quais as providências a adotar. Mas nem sempre isso acontece e a população é a grande prejudicada por desmoronamentos, queda de árvores, inundações e outros eventos decorrentes do excesso de água. Os ditos ambientalistas, que tanto proselitismo fazem pela Amazônia, Cerrado e outros sistemas, fariam um grande bem à sociedade se voltassem suas atenções para o cumprimento de normas de manejo da água nas cidades onde vivem e frequentemente ocorrem eventos catastróficos e até mortais. Toda interação do homem com a Natureza precisa ter parâmetros e estes serem respeitados. Do contrário, continuarão os desastres e o sofrimento da população, vitimada como um todo por maus procedimentos de poucos...


Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).

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