O Marco Legal das Ferrovias, aprovado em outubro pelo Senado e na segunda-feira (13/12) pela Câmara dos Deputados, tende a recolocar a ferrovia brasileira no lugar de onde nunca deveria ter saído. O transporte sobre trilhos foi instalado no Brasil em meados do século 19, com investimentos privados. O industrial e homem de negócios Irineu Evangelista de Souza, futuro Barão de Mauá, colocou em funcionamento em 1854 o primeiro trecho, de 14 quilômetros, entre o Rio de Janeiro e Petrópolis. Em seguida, com recursos ingleses, implantaram-se a ligação entre Recife (PE) e o Rio São Francisco e a São Paulo Railway, de Santos a Jundiaí. A partir daí, fazendeiros e outros empresários com cargas a transportar (especialmente os produtores de café) custearam novos trilhos até a região de suas propriedades. O trem, além de escoar as safras, transportava passageiros, já que a rodovia e os automóveis da época eram incipientes. A legislação agora aprovada e em vias de sanção presidencial, permite que investidores elaborem projetos, implantem trechos ferroviários e, como era antigamente, os explorem economicamente por prazos de 30 a 99 anos. Os investimentos privados da segunda metade do século 19 e começo do 20, levaram o Brasil a somar 28.128 quilômetros de linhas férreas, em 1919, Hoje, mais de 100 anos depois, temos 30 mil quilômetros, muitos deles subutilizados ou inativos. Tudo funcionou bem por décadas, até que acontecimentos como a Primeira Guerra Mundial (1914/18), a quebra da Bolsa de Valores de Nova York (1929) e a Segunda Guerra (1939/45) tornaram escassos os capitais para investimento. Operadores privados não aguentaram e as ferrovias foram gradativamente encampadas pelos governos da União e dos Estados, que as mantiveram funcionando mas não fizeram os investimentos que as mantivessem atualizadas e competitivas. Mesmo assim, ocorreram casos de sucesso como a Cia. Paulista de Estradas de Ferro, que transportava cargas e passageiros por vasta região do interior paulista e era tão competente que as populações das cidades servidas adquiriram o hábito de acertar seus relógios pelo apito das locomotivas, que cumpriam rigorosamente seus horários. Pressionado pelo movimento ferroviário liderado pela esquerda, o então governador de São Paulo, Carvalho Pinto, a encampou em 1961 e o declínio foi imediatamente sentido na qualidade dos serviços prestados, na manutenção do sistema e, principalmente, nos horários dos trens, que deixaram de ser confiáveis. Além da Paulista, São Paulo foi servida por outras estradas de ferro importantes - como Araraquarense, Mogiana, Sorocabana - que, além do transporte, participaram do desbravamento da mata e criação das cidades. Isso ocorreu, também em outros Estados, com exemplos marcantes. A ferrovia, no entanto, passou a sofrer alta concorrência nos anos 30, quando o governo de Getúlio Vargas, além de postergar investimentos, abriu estradas e incentivou o modal rodoviário de transporte. Nos anos 50, o presidente Juscelino Kubitschek investiu no setor, criando a Rede Ferroviária Federal. Nos governos militares, trechos deficitários foram eliminados e, nos anos 90, ocorreu o colapso, tendo o governo de Fernando Henrique Cardoso partido para o arrendamento das linhas, dedicadas exclusivamente ao transporte de cargas, hoje operadas por empresas de logística e distantes do ideal. O transporte de passageiros acabou. A legislação ora aprovada é discutidas desde 2018. Em agosto último, o governo editou medida provisória antecipando as inovações. Isso levou a iniciativa privada a apresentar 47 projetos de novos trechos ferroviários, com investimento previsto de R$ 50 bilhões. Um aumento de 126% em relação ao previsto pelo setor para a próxima década. Devido à opção rodoviarista, 61,1% das cargas movimentadas no país viajam por caminhão, 20,7% pelo trem e 13,6% pelo setor aquaviário. Com os investimentos propostos, a participação ferroviária deverá subir para 40%. Além de incentivar os investimentos ferroviários, o governo tem pela frente a grande tarefa de harmonizar a relação entre os modais. A tendência é usar o ferroviário, o aquaviário e o aéreo para as grandes distâncias e reservar o caminhão para o transporte de ponta. No transporte de passageiros, embora possa voltar aos trilhos, é difícil imaginar que, pela natureza entre um e outro, seja competitivo com o sistema rodoviário hoje existente. O poder público, que apoiou o sistema rodoviário por oito ou nove décadas, não pode abandoná-lo de uma hora para outra... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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