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Opinião
15/12/2021 - 05h55
Descondenação, um problema no combate à corrupção
Dirceu Cardoso Gonçalves
 

Não sou portador de altas credenciais jurídicas que me autorizem a definir se certas ou equivocadas as decisões dos tribunais superiores, que já anularam 277 anos de condenações aplicados a políticos e agentes públicos acusados (e condenados em primeira, segunda e até terceira instâncias) pela prática de escandalosos atos de corrupção. São beneficiários o ex-presidente Lula; o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral; o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, condenados a elevadas penas, além de outros figurões da República, como o ex-presidente Michel Temer, que teve anulado o processo onde era acusado de recebimentos indevidos para seu partido de recursos sacados das obras da usina nuclear Angra I, II, e o senador Flávio Bolsonaro, cujo processo das rachadinhas montado no Rio de Janeiro, relativo ao período em que foi deputado estadual, restou trancado por declarada incompetência do MP e da Justiça cariocas para acusá-lo e julgá-lo, já que como senador, detém foro especial.

A tônica das anulações versa sobre o aspecto formal dos processos. A 13ª Vara Federal de Curitiba, que abrigou os processos da Operação Lava Jato, de que era titular o então juiz Sergio Moro, foi considerada foro impróprio para julgar Lula - que, no entanto, passou mais de 500 dias recluso - e o magistrado declarado parcial em relação ao ex-governante, cujos processos foram remetidos a Brasília para uma nova análise e sob risco de prescrição. No caso de Cunha, definiu-se que em vez da Justiça Federal, o julgamento deve ser da Justiça Eleitoral. Encontrou-se uma inconformidade de encaminhamento em cada processo e determinou-se a revogação das sentenças, em atendimento aos argumentos das defesas dos réus.

Lembremos que tais processos mobilizaram a opinião pública e a vida nacional e, com a anulação das sentenças, colocam o Poder Judiciário numa situação desconfortável, visto que, se o entendimento correto for o das cortes superiores, que acaba prevalecendo, constata-se um descompasso entre o topo e a base da Justiça brasileira. Supõe-se que se soubessem o rumo que tomariam as ações, tanto o Ministério Público quanto o juízo de primeira e segunda instâncias, não as teria tramitado. Do jeito que evoluiu, o quadro mostra flagrante descompasso. Lula, o mais famoso dos réus, foi condenado por Moro, teve a pena aumentada no Tribunal Federal de Porto Alegre e confirmada pelo STJ, encarcerado e, depois, libertado e “descondenado” pelo STF. Essa sequência de fatos confunde a cabeça da Nação e produz os mais contraditórios raciocínios.

Independente da identidade dos réus, é um desserviço ao país a existência de ruidosos processos judiciais - que abalaram reputações e empreendimentos - anulados por meras questões formais. Muitos brasileiros (como eu) não sabem até hoje onde e com quem está a razão. Se os titulares das acusações e processos que levaram às sentenças ou os magistrados superiores que as anularam. É certo, porém, que uma das partes deve estar equivocada e as outra com a razão, pois as duas faces da contradição jamais se harmonizarão. O difícil será encontrar a instância capaz de desfazer a dúvida e definir com quem está a razão.

Qualquer que seja a conclusão, ficará patente uma coisa. Não só os réus e os operadores dos processos, mas todos nós, brasileiros, perdemos com a sua existência. Restaremos desapontados e atormentados por ver incontestes líderes nacionais terem sofrido processos possivelmente indevidos ou, se no raciocínio contrário, pelo fato de, mesmo tendo delinquido, restarem eles impunes não pelos crimes que lhes foram imputados, mas por atenuantes inseridas na apuração e julgamento, que deveriam ter sido observadas desde o inicio. Direito é uma ciência pública que todos os operadores têm o dever de conhecer e aplicar da melhor e mais justa forma. Se um processo é inviável, não há razão para começar, mas se, opostamente, é cabível, tem de ir até o fim e produzir seus efeitos. Mudar ao longo do trajeto, é o incomum...


Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).

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