Um racha de direita e centro que poderá eleger Lula
Embora pensada para se opor à polarização entre direita e esquerda nas eleições presidenciais, a candidatura de terceira via, se ocorrer, favorecerá Lula e atrapalhará Bolsonaro. Por natureza, o eleitorado de esquerda comparece incondicionalmente às urnas e vota no candidato da tendência, mesmo quando ele não é do seu inteiro agrado. Já o eleitor de direita, quando contrariado, costuma se abster em sinal protesto. Esse comportamento antagônico é que levou Fernando Haddad (candidato indicado por Lula) ao segundo turno de 2018 e justifica o aumento crescente da ausência de eleitores nas eleições das últimas décadas, período em que a classe política vem se desprestigiando perante a população. Apesar das dificuldades decorrentes do vendaval a que esteve submetido com mensalão, petrolão, impeachment de Dilma e prisão de seus líderes, o Partido dos Trabalhadores e seus aliados lutam para se manter vivos e competitivos. A pretendida terceira via até agora só possui dois possíveis candidatos egressos da direita, podendo ainda atrair algum do centro, mas nenhum de esquerda. Sérgio Moro e João Dória, os dois aspirantes declarados estiveram ao lado de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 e dentro do governo na sua fase inicial; só estão buscando o novo caminho porque romperam. Pelo histórico político recente, a suposição é de que ambos, se candidatos, “roubem” votos de Bolsonaro. Mas duvida-se que os seguidores daquele que desistir da candidatura alternativa votem no outro que permanecer. E sem esse mecanismo de adesão, inviabiliza-se a terceira via. Abrir mão não faz parte da tradição dos personalistas políticos brasileiros e, por isso, muitos deles não decolam. No caso da terceira via, os votos que seus integrantes conseguirem arrebatar não voltariam para Bolsonaro, assim como os do eleitorado fiel a Bolsonaro jamais iriam para Moro ou Dória. Serão abstenções, com certeza. Isso leva facilmente à conclusão de que a terceira via não passa de um racha na direita e no centro com tendência a favorecer a esquerda. Considerando que só a coligação de esquerda e a montada pelo presidente da República - agora filiado ao PL - têm vaga indiscutivelmente garantida nas eleições, já que o acordo da terceira via deve fazer água, a tendência é termos mais do mesmo em 2022. A apresentação de dois candidatos com capacidade para ir a segundo turno e de outros que simplesmente fazem figuração pois sequer chegam perto do número de votos para sonhar com o turno final. No primeiro turno de 2018, Bolsonaro teve 46,03% e Haddad 29,28% dos votos; os outros 11 concorrentes, somados, não passaram de 24,69%. Portanto, inexpressivos. Em 2014, Dilma Rousseff somou 41,59%, Aécio Neves 33,55% e Marina Silva 21,32%. Os outros oito candidatos fizeram, juntos, só 3,57%. A polarização não é recente. Ela decorre de casuísmos legais. O primeiro deles foi a criação do segundo turno, sob a argumentação de que o eleito precisa ter a representatividade de mais de 50% dos votos válidos. A história de bastidores, no entanto, afirma que o turno adicional foi criado para deter Paulo Maluf, dono de grande liderança na época, impedindo-o de ganhar todas as eleições que viesse a disputar. Depois veio a reeleição para presidente, governador e prefeito, que favorece quem está no poder e prejudica aos demais. Tanto que, desde a sua instituição, em 1997, os presidentes FHC, Lula e Dilma foram reeleitos e Michel Temer optou por não concorrer. Hoje, embora não tenha se declarado, Bolsonaro é candidatíssimo. Enquanto aguardamos mudanças políticas - possivelmente o fim da reeleição e até a reforma constitucional - vamos acompanhar o interesse do meio político pela tal terceira via. Bolsonaro, se puder, trabalhará contra e Lula, ainda que com a mão do gato, poderá até ajudar na certeza de se beneficiar. Resta saber se Moro (principalmente ele com sua história de julgador), Dória e outros terceiraviistas se sentirão confortáveis diante da possibilidade de estarem atuando pela volta ao poder do ex-presidente, do PT e de seus aliados... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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