Lembro-me que, quando moleque, uma vez ou outra via meu falecido avô, seu Belmiro Belizário, escrevendo uma e outra coisa numa folha de papel qualquer, ou num caderninho - sem luxo algum - que ele carregava consigo em sua modesta malinha. O que ele escrevia, especificamente, sou franco em dizer, não me lembro muito bem. Eram cartas, redações que nunca se tornaram públicas, discursos que nunca foram proferidos, um e outro poema que, talvez, possam ter sido, em algum momento, recitados para uma dama. Mas, infelizmente, tudo isso se perdeu nas brumas do esquecimento. Porém, a caligrafia, a formosura da letra do vô eu não me esqueci. Bah! Que letra linda ele tinha. De tanto que eu admirava o traçado dado por seu Belmiro para suas palavras, que eu procurava, dentro de minhas limitações, imitar a caligrafia dele. E o que mais me impressionava, nas poucas vezes que tive a oportunidade de deitar as vistas nas minguadas páginas escritas pelo pai da minha mãe, era que ele havia apenas estudado até a terceira série. Foram apenas três anos de estudo e isso, para ele, havia sido mais do que suficiente para aprender a ler de forma proficiente, a escrever com correção e elegância, calcular com precisão e, ainda por cima, a ser um bom orador. Além do meu querido avô, conheci outros senhores, da mesma geração dele, que também eram munidos de dotes similares e que, também, tiveram apenas uma passagem breve pelos bancos escolares. Breve, mas suficiente para que eles aprendessem com maestria a utilizar as ferramentas intelectuais elementares. Hoje, como todos sabemos, os tempos são outros e, cada vez mais nos deparamos com jovens que passaram nove anos nos bancos escolares do ensino fundamental e mais três nas cadeiras do ensino médio e, surpreendentemente, não são poucos os indivíduos que possuem uma caligrafia ilegível e sem nem um mínimo de correção e zelo. Não são poucos os que ao ler não compreendem o que foi decodificado pelas suas vistas, não dominam as operações matemáticas elementares e, inclusive, não são capazes de expressar-se publicamente, sobre qualquer coisa, com um mínimo de articulação. Não são poucos, infelizmente, mas se acham muito. Diante disso, penso que as únicas perguntas que realmente importam são: como era o ensino ministrado nos tempos de antanho que, com tão pouco tempo, e tão poucos recursos, era capaz de gerar frutos tão interessantes? O que foi feito com o sistema de ensino nas últimas décadas para chegarmos ao ponto onde estamos? Essas, penso eu, são as únicas questões que realmente importam. O resto, francamente, não passa de embromação rebuscada de doutos e burocratas que se recusam a enxergar o óbvio ululante. E se nos recusamos a enxergar o óbvio, não temos como resolver os problemas gritantes que, de um modo geral, foram paridos pelos discípulos do patrono do caos.
Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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