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Opinião
29/07/2021 - 06h24
Um grande monte de pó e sombras
Dartagnan da Silva Zanela
 

O historiador grego Tucídides nos ensina que todo aquele que muito vive, que degusta seus dias aqui neste mundo com intensidade e significado, acaba, inevitavelmente, passando por muitos infortúnios. Que barra hein?

E nós, meros mortais, quando deitamos nossas vistas nas páginas amareladas da história para solver alguma lição, por pequena que seja, para vivermos melhor nossas vidas banais, sempre nos defrontamos com vidas que foram vividas com uma profunda magnitude, porém, nem sempre com amplitude de significado, mas que, de alguma maneira, acabam por ajudar-nos e captar o significado de nossa passagem por esse vale de lágrimas.

Quando, por exemplo, volvemos as janelas de nossa alma para as páginas que lembram os dias de glória e decadência de Roma, vemos o quanto uma vida vivida com intensidade pode ser, também, uma vida desprovida de propósito; e o quanto uma vida vivida desse modo pode ser tragicômica.

Na verdade, a vida sempre é tragicômica. O que muda de uma cabeça para outra, além da sentença, é a intensidade da tragédia e a amplitude da comédia que são dosadas nos dias vividos por cada caboclo.

Tal alquimia histórica, que dá forma aos destinos humanos, vê-se com contornos claros e bem desenhados, nos momentos de crise que as sociedades humanas, de tempos em tempos, têm de enfrentar, e que os indivíduos têm de encarar.

Destino. Aí está uma palavrinha complicada. Bem complicada mesmo. Como nos ensina o poeta grego Homero, essa seria uma das “bardas” mais feias dos seres humaninhos. Temos muitas “bardas” feias, mas essa, de chamarmos de destino nossa estultice, é pra acabar com o cheque do leite. Uma forma elegante de nos eximirmos de nossa responsabilidade perante a vida.

Dito isso, sigamos em frente. No século V da Era Cristã o poderoso Império Romano era apenas uma sombra do que fora um dia. As disputas internas, as tretas infindáveis tomavam conta do dia a dia dos mandatários e, juntamente com outros fatores, acabaram por degradá-lo e levá-lo ao chão.

No intento de equacionar essa situação, o imperador Teodósio dividiu, como todos sabemos, o poderoso Império em dois domínios que, com o tempo, foram se distanciando cada vez mais.

Quem assumiria a governança dos dois domínios seriam seus filhos. O Ocidente passou a ter como governante Honório, que liderava essa fatia do Império a partir da cidade de Milão. O Oriente, ficou sobre o senhorio de Arcádio (que nome meu Deus do Céu), que o governava a partir da cidade de Constantinopla.

Os dois irmãos, tão pomposos quanto poderosos, não passavam de dois bocós de mola que sempre se deixaram envolver pelas intrigas palacianas. Intrigas essas que, como todos nós sabemos, sempre abundam onde quer que existam os tais poderes constituídos.

No fundo, os dois pimpolhos de Teodósio não passavam de meros “imperadores titulares” que deveriam apenas aprovar as recomendações dos membros mais antigos da corte e dos generais das legiões. Ambos viveram dias intensos, não há dúvida alguma sobre isso, porém, possivelmente foram vidas desprovidas de um significado que valha ao menos um vintém furado.

Por essas e outras que é importante não escondermos nada, principalmente de nós mesmos. Nada de ficar ocultando a verdade sobre nós de nós mesmos porque, como nos ensina Sófocles, o tempo, esse malandro astuto, vê tudo, escuta tudinho e, em um momento inoportuno, ele sempre revela tudo para todos que tiverem ouvidos para ouvir e olhos para ver.

Como havíamos dito linhas acima, Honório, tal qual seu irmão, não tinha uma personalidade densa o suficiente para ocupar a posição que ocupava e, por isso, ele acabou sendo uma marionete nas mãos do general Stilicho.

Detalhe importante: Stilicho era um general cuja origem era meio romana, meio vândala e, de quebra, era casado com a sobrinha favorita de Teodósio I. Serena era seu nome. Resumindo: Honório detinha o poder nominal, mas Stilicho tinha o poder de fato.

É importante lembrarmos, sempre, que poder não é sinônimo de dar ordens. Não. Poder é sermos obedecidos. Nesse sentido, compreendemos com tranquilidade porque muitíssimas vezes o detentor de um cargo de poder não consegue exercer o dito cujo. Poder não tem nada que ver com cargos, mas sim, com relações de interdependência que levam as pessoas a acatar a vontade de alguém. Ou seja: obedecê-la.

Diante disso, me permitam descrever uma cena dessa mesma quadra histórica. Nesses idos o rei Godo Radagaisus - outro nome que, só por Deus - estava realizando inúmeras incursões contra Roma, verdadeiros massacres.

Nessa altura do campeonato, o exército romano além de depender tremendamente das chamadas tropas auxiliares, que eram formadas por guerreiros de diversas tribos bárbaras aliadas, também tinha suas fileiras abarrotadas de bárbaros e de descendentes de bárbaros (Lembremos de Stilicho).

Bem, para fazer frente a esse ataque vil, o comandante militar supremo do Império Romano do Ocidente, Stilicho, fez uma aliança com o rei Sarus, dos Visigodos, e com Uldin, rei do Hunos, que governava Muntenia.

A aliança foi exitosa. Juntos eles derrotaram Radagaisus, o capturaram e o levaram para Roma, onde foi decapitado. Fim de jogo.

Antes de cortarem a cabeça do rei dos Godos, foi realizado um grande desfile onde Stilicho seguia adiante das legiões romanas. Ao seu lado estava Uldin, o rei dos Hunos com seus bravos e destemidos. Sarus, vinha na retaguarda, com seus guerreiros visigodos.

Tais desfiles militares, àquela altura, eram vistos com indiferença pelo povo romano, porém, algo muito inusitado ocorreu, que fez os generais romanos arregalarem os seus olhos. O ocorrido foi o seguinte: quando os hunos passaram desfilando, a multidão os saudou ruidosamente, porém, quando os demais passaram, legiões romanas e guerreiros visigodos, um manto de silêncio caiu sobre todos.

Bem, como o tempo nada esconde e tudo conta para aqueles que tem ouvidos para ouvir, antes de Roma cair ela já não era mais romana. Do século IV até o século V o Império foi se arrastando, agonizando, até entregar os betes em definitivo.

Como Péricles nos lembra - não o pagodeiro, mas sim, o estadista e estratego Grego - que o que devemos realmente temer não são tanto as táticas e as estratégias de nossos inimigos e adversários, mas sim, a nossa teimosia em continuar cometendo os mesmos erros.

Hoje, olhando pela fechadura da história, somos capazes de compreender com relativa clareza os erros cometidos pelos romanos que os levaram à queda e, podemos fazer isso, devido ao distanciamento que conseguimos manter em relação a tais acontecimentos.

Agora, podemos manter o mesmo distanciamento dos acontecimentos que estão nos assediando no momento presente em nosso triste país? Eis aí uma boa questão. Quantos são os erros que foram sendo cometidos, e que continuam sendo cometidos, pelas novas e velhas oligarquias políticas, à destra e à sinistra, no Brasil contemporâneo? Eis aí outra questão importante.

Aliás, quantos erros nós cometemos na emissão de nossos juízos de valor e na elaboração de nossos pontos de vista sobre essas questões que foram levantadas? Pois é. Penso que essa seja outra questão que não pode ser calada.

Questões e mais questões, que ninguém quer fazer, ninguém, até que a história venha bater em nossa porta e, quando ela o fizer, creio que já será tarde para tentarmos respondê-las.

É isso. Fim de papo. Away.


Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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