Compreender para celebrar
Diz Manoel de Barros que “poesia é voar fora da asa”. Mas como voar fora da asa? O que o renomado poeta brasileiro está dizendo com tal afirmação? É preciso interpretar para compreender as poesias. Elas podem ser curtas, com um verso só, livres, com métricas, podem ser longas, podem falar de amor, da vida cotidiana, da natureza... não importa. Para captá-las é necessário um intenso mergulho de interpretação, uma vez que, “em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer / Nascimentos - / O verbo tem que pegar delírio”. E compreender delírio do verbo é um desafio. Toda a beleza da poesia é perdida se o desafio de compreender o “delírio” das palavras não for possível. Para que o delírio seja possível, é imperativo formar uma sociedade de leitores: crianças, jovens e adultos que, proficientes em língua portuguesa, tenham o prazer em continuar brincando com as palavras. Ou seja, devemos formar indivíduos que detentores dos aspectos formais da língua, possam ler os versos, atribuindo-lhes diferentes sentidos. É ainda necessário formar indivíduos que compreendam que a vida é muito mais do que ações pragmáticas, encerradas em repetições mecânicas e sem reflexões. Ao contrário, há que se compreender que esta vida cotidiana que, certamente, pode ser muito extenuante, é o fermento para a criação poética. Pois, o dia a dia está repleto de belezuras que passam, na maior parte das vezes, despercebidas. O que os poetas fazem? Escrevem com encanto. No entanto, os dados da sociedade brasileira são hostis para a apreensão do encanto poético. Segundo pesquisa desenvolvida pelo Instituto Pró-Livro sobre o ano de 2016, o brasileiro lê, em média, 2,43 livros por ano. Esta informação dialoga com o resultado da “Prova Brasil” de 2017 na qual apenas 34% dos alunos do nono ano eram proficientes em língua portuguesa. Ou seja, o déficit na formação básica dos estudantes contribui de maneira singular para a não formação de leitores. E com isso, todos perdem. Perde o indivíduo que não consegue mediar a sua vida com a leitura, perde a sociedade que em seu conjunto não forma novos poetas, literatos (as) e autores (as) capazes de revelar a vida com delicadeza. No dia 31 de outubro, celebra-se o Dia Nacional da Poesia. O dia escolhido foi uma homenagem à Carlos Drummond de Andrade, pois se refere ao seu nascimento. No entanto, para que a data não seja vazia de conteúdo, sem repercussão, é necessário que leitoras e leitores sejam formados tanto para a leitura quanto para a interpretação poética num exercício diário de desenvolvimento, de aprimoramento e de encantamento. Assim, para dar sentido a esta data comemorativa e encher a vida cotidiana de mediações e interpretações, é ímpar desenvolver o deleite da palavra como ensina Conceição Evaristo: “Quando eu morder / a palavra, / por favor, / não me apressem, / quero mascar, / rasgar entre os dentes, / a pele, os ossos, o tutano / do verbo, / para assim versejar / o âmago das coisas. [...]” Nota do Editor: Valéria Pilão é doutora em Ciências Sociais, professora do curso de Sociologia do Centro Universitário Internacional Uninter.
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