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Crônicas
15/10/2020 - 07h25
As mais belas couves
Dartagnan da Silva Zanela
 

Belizário, um velho amigo do seu Tibúrcio, que desde sempre morou em Lalalândia, município vizinho de Cafundó, se orgulhava de muita coisa que fez em sua vida, mas, do que ele mais se orgulhava era de suas couves, do seu “cová”.

Se passarmos pela estrada principal de comunidade da Pinguela Caída, iremos ver de longe o homem pacientemente molhando sua horta que, francamente, é de dar inveja.

Ah! E tem outra. Ele adora um ano eleitoral. É. Se tem uma coisa que ele gosta de fazer é enrolar enroladores, de passar a perna em velhas raposas felpudas que fazem da conversa fiada sua “profissão”. E não há um pleito eleitoral que ele não passe no bigode pelo menos uma meia dúzia desses cabras.

Dia desses, um candidato a vereador, que apoiava o Curió para prefeito, chegou no seu rancho para lhe pedir apoio. Quer dizer, para comprar seu voto.

“Bom dia seu Belizário”. “Dia seu moço”. “Posso me achegar”? “O Senhor já se achegou. Fique à vontade. Aceita um mate”? O moço tirou o chapéu, subiu até a varanda da morada, repleta de folhagens cuidadosamente plantadas em velhas latas de tinta e em potes de margarina. Sentou-se e com a cuia em mãos, continuou a prosear com o velho.

“O senhor sabe quem eu sou, né seu Belizário”? “Sei sim senhor. Você é o Candinho, filho do Felisberto”. “Isso mesmo. Vim aqui pedir o seu apoio para mim e, é claro, também para o Curió que, se Deus quiser e o senhor nos ajudar, será o novo prefeito de Lalalândia”. “Pois olhe menino, posso até ver se vou apoiar você, porém, não sei se você reparou, mas eu apoio o Caturrita. Não viu a baita placona que eu coloquei na entrada da minha propriedade?”

O rapaz, de fato, não havia reparado. Bicho sonso mesmo. Candinho então fez roncar a cuia três vezes, entregou para seu Belizário e disse: “Mas nós podemos conversar, não podemos”? “Mas é claro. Sou um homem que tem uma família bem grande. Meus filhos votam. Minhas noras também. Inclusive tenho uns netos “carçudos” que também votam”. “Então, por isso mesmo que estou aqui seu Belizário”. “Por quê”? O rapaz travou. Não sabia como dizer que ele estava ali para comprar o voto dele e de toda sua família.

Seu Belizário, com a cuia nas mãos, reclinou-se em sua cadeira de balanço, olhou bem nos zóios do caboclo e disse: “entendo. Entendo muito bem o que o senhor veio fazer aqui”. “Entende”? “Claro menino. Olhe bem pra minha cara enrugada. Olhe bem para minhas mãos calejadas. Não nasci ontem. Sei muito bem o que o senhor deseja e até entendo porque você está meio envergonhado. É sua primeira eleição?” “Como candidato é sim senhor”. “Então, desenrola esse carretel e desembuche de uma vez. Não estou gravando nossa prosa. Não sou dessa geração não menino que vive cheia das tecnologias”.

Candinho suspirou aliviado e desembuchou: “Bem, eu queria saber o que o senhor deseja para poder nos honrar com seu apoio político”? “Olha, seu moço, você sabe, né, que minha familhagem é graúda”. “Sei sim”. “E que eu sou um bom puxador de votos”. “Sim”. “Então, quanto isso vale”? Mais uma vez o rapaz ficou sem saber o que dizer. Coitado. Seu Belizário fez roncar a cuia, encheu ela novamente, deu uma ajeitada na erva e passou para o moço.

O candidato continuou silente por alguns segundos. Deu duas puxadas no chimarrão, encorajou-se e disse: “Mas o seu apoio, a sua honra tem preço seu Belizário?” “Tem sim”. “Como assim? Não entendi”? O velho riu expansivamente e disse: “Rapaz o céu, me diga uma coisa: você e seu candidato para prefeito provavelmente irão gastar até os tubos para tentar se eleger, não é mesmo?” “Não tem como ser de outro jeito seu Belizário”. “E quando vocês firmaram alianças com outros partidos ofereceram secretarias e um certo número de cargos comissionados, não é mesmo”? “É seu Belizário, é bem desse jeito”. “Oxi! Se vocês podem negociar o apoio um do outro e depois fazer pose de gente honrada, porque eu, enquanto um reles cidadão, não posso negociar o meu apoio como gente como o senhor”?

Mais uma vez, o filho do seu Felisberto não sabia o que dizer. Diante disso, seu Belizário retomou a palavra: “Façamos o seguinte: veja, como eu havia dito, minha família é grande e os meus vizinhos e amigos tem grande consideração pelo que digo. Que tal três mil pilas?” “O senhor está louco?! É muito. Mil quinhentos pilas”. “Assim você me ofende. Dois mil e oitocentos”. “Não. Mil e quinhentos”. “Tá bom. Dois mil pilas e não se fala mais nisso”. O rapaz passou as mãos na cabeça, pediu licença, levantou e foi pro terreiro do sítio. Trocou umas mensagens pelo whatsapp e voltou logo em seguida dizendo que estava acertado naquele valor. Dois contos.

Ele entregou o dinheiro para seu Belizário contar. Contou, viu que estava tudo certinho e, bem rapidinho, guardou a grana no seu bolso, faceiro da vida. “Muito bem rapaz. Tudo certo”. “Maravilha. Então no fim da tarde de amanhã dois rapazes virão aqui pra tirar a placa do Caturrita e colocar uma do Curió”. “Não mesmo”. “Como assim”? “Como assim o quê”? “Nós não acabamos de fazer um acordo”? “Sim. Você pediu o meu apoio e eu disse que vou dá-lo, mas a placa é minha, está na minha propriedade e lá ela irá ficar”. “Mas...” “Mas o quê?” “Isso não fazia parte do nosso acerto”. “Não fazia?" "Não"! "Pois é. Então vamos fazer o seguinte para resolver esse entrevero: chame a polícia e vamos registrar um B. O. Aí o senhor explica para os homens da lei que o senhor tentou cabrestear o meu voto e eu não estou sendo, assim, uma mula eleitoreira tão mansa quanto o senhor esperava. que tal”?

O rapaz ficou se mordendo de raiva e foi embora cuspindo marimbondo. Enquanto isso, seu Belizario pegou o celular que ele havia ganho da sua filha mais nova e passou um zap para seu amigo Tibúrcio dizendo: “fala seu tongo”. Tiba mandou uma figurinha bem marota para ele em resposta. Belizário então escreveu: “Quando fechar a bodega venha tomar café aqui em casa. E traga o Artémio junto. Tenho um causo novo pra contar e um churrasco pra gente marcar”.

Feito isso, ele calçou as sete léguas e foi para sua horta pra regá-la, especialmente o seu amado “cová”, rindo à toa de ter feito de trouxa mais um sujeito que se ufana de fazer o povo de bobo a cada quatro anos.


Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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