De um dia para o outro e sem aviso prévio, fomos todos obrigados a viver exclusivamente em nossas próprias casas. A pandemia do novo coronavírus fez de cada um nós um “prisioneiro” em situação domiciliar. Passamos a conviver todas as 24 horas do dia no ambiente a que chamamos de lar. E embarcamos na viagem, talvez sem volta, do home office que antes era uma exceção à rotina do trabalho na empresa. A verdade é que nós não estávamos preparados para embarcar nessa nova realidade. Em meio a esse processo começa a ganhar corpo uma nova realidade, ainda que de forma não muito visível a todos, a tão falada “casa do futuro”, hiper conectada, com espaços e objetos intercambiáveis, aberta às mudanças pensadas pelos próprios moradores ou exigidas pelo mundo externo e com uma atmosfera marcada pela presença, cada vez mais evidente, da realidade virtual e do universo das redes. Podemos dizer que, num passado recente, vivíamos numa casa antiga idealizada para o homem que emergia da revolução industrial com espaços bem demarcados e estanques, mas que há muito tempo não correspondem adequadamente às demandas nascidas das mudanças sociais, familiares, tecnológicas e culturais que se processam atualmente em extrema velocidade. Os novos casais e os novos relacionamentos não ‘cabem’ mais nessa antiga dinâmica. Eles querem novos formatos, mais abertos, flexíveis, mutantes. Agora, mais do que nunca, arquitetos e urbanistas serão desafiados a promover uma reinvenção do morar, a compreender as dinâmicas sociais e as novas demandas das populações urbanas, transformando tudo isso em projetos e construções que façam sentido para esse novo mundo hiper conectado, em que a realidade virtual é parte da realidade vivida e percebida. Estão disponíveis hoje todas as condições tecnológicas e industriais necessárias para que cada morador participe ativamente do trabalho de projetar a sua casa ao lado de um arquiteto. Tudo está pronto para que se faça um processo de customização em massa, adaptando o projeto e a construção aos desejos e interesses de cada morador. Isso vale para uma casa, um apartamento ou qualquer outro tipo de moradia. A tecnologia nasce e se solidifica no embrião do projeto e deve estar intrinsecamente ligada a linguagem, a operacionalização e ao modo de se habitar em todo o ciclo de vida e, mais importante o estabelecimento humano, ao qual se referia Le Corbusier no início do século passado. No futuro, talvez, não teremos uma casa que dura para sempre. Teremos uma casa para uma estação, um par de anos, uma fase da vida. Depois, faremos mudanças que lhe darão uma nova atmosfera, nova ambientação, que se afine com as mudanças que acontecerão em nossas vidas. E todas as essas mudanças serão possibilitadas desde o projeto e a construção. O importante é criar projetos e estruturas flexíveis que permitam a individualização da moradia e sua mudança ao longo do tempo. Da pandemia nascerá, quem sabe, a reinvenção do morar. Teremos no futuro próximo de projetar moradias que nos ajudem a conciliar o trabalho à distância com as outras demandas de nossas vidas - o ócio criativo, a convivência com os filhos, amigos e com a família ampliada. O grande Mestre do movimento moderno, Le Corbusier, disse a um século atrás que “quando uma época possui a planta de uma habitação é sua evolução social que se fixou e existe um equilíbrio”. Será então, que através do trauma trazido por um agente invisível e inexorável a Arquitetura poderá dar um salto evolutivo no sentido de abrigar de fato a nova sociedade, que é informacional, em rede, hipermoderna? Haveremos de bem usar o tempo roubado ao trânsito das nossas metrópoles para enriquecer nossas vidas com cultura, hábitos saudáveis, convívio com a natureza e com nossos semelhantes. Tempo de reinventar novos jeitos de morar e de viver a vida. A pandemia vai passar. Enquanto ela não passa, porque não aproveitar esse tempo para aprender, questionar o que parece estabelecido e imutável para quem sabe, dar um novo sentido às nossas vidas e a novas maneiras de morar. Nota do Editor: Ernani Maia é graduado e pós graduado pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo, Mestre pela Universidade Mackenzie. Destaca-se por diversas pesquisas e artigos acadêmicos nas áreas de Arquitetura e Urbanismo, sobretudo analisando os impactos das novas tecnologias telemáticas e dos conceitos de sustentabilidade nos modos de espacialização da sociedade contemporânea. Professor Universitário dos cursos de Arquitetura e Urbanismo e de Design em várias instituições de ensino e atualmente no curso de pós graduação do IED (Instituto Europeo di Design- São Paulo). Fundador da InCAD Instituto de Capacitação em Arquitetura e Design. Atua desde 1991 na concepção de projetos de arquitetura, compatibilização, gerenciamento e coordenação de interfaces multidisciplinares.
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