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Crônicas
14/08/2020 - 06h41
Cheirando a mato, a sertão, a viver...
Rangel Alves da Costa
 

Sou de um sertão de raiz, o mais sertão existente. Não existe outro sertão igual ao que sinto em mim presente. Desde a terra à semente, desde o bicho à sua gente. Um sertão sem ter igual no que se tem e no que se sente.

No sertão da minha terra há vereda de pé de serra, de bicho de pasto que berra, luta que não se encerra. Um caminha na poeira, um sol queimando em lareira, pouca comida de feira, uma pobreza avistada como bagaceira.

No sertão da minha terra há menino e pé no chão, há barriga sem o pão, há prato vazio no chão. Por todo o sertão é sim, o tudo vira tiquim, o muito vira poquim, o que pouco tem já tá no fim. Um povo que vive assim.

No sertão da minha terra, um dia um tempo de dor, na tocaia e na emboscada, na violência o clamor, o sangue jorrando ao chão, quem já viveu já chorou. Carnicento destripando a vida que a bala levou.

No sertão da minha terra, lá longe e bem distante, um casebre morro adiante, casinha desfeita em levante. A guerra na minha terra, a cruz que debaixo enterra os restos de um passado feito bicho que berra.

No sertão da minha terra, um chão assim tão espinhento, um viver que é de lamento no seu passo em sofrimento. Na vida feita de labuta, que somente a fé e a luta desenterram das desentranhas os restos da terra bruta.

No sertão da minha terra e noutros sertões mais além, um viver de querer bem, um se entregar ao que tem. E nada tem além do pão, na fé a vela e o sermão, na parede a imagem do Padim Ciço e Frei Damião.

No sertão da minha terra há uma igrejinha e uma prece, há um pedido de benção a todo aquele que padece, religiosidade tão forte que a esperança não perece. Há um povo em procissão, na crença e abnegação, rezando pra cair chuva e para salvar o sertão.

No sertão da minha terra há fogão de lenha em quintal, há roupa estendida em varal, há na nuvem um bom sinal, que amanhã será melhor, pois nada será pior que o sofrimento ao redor. Uma galinha que cisca, um gato que vem e belisca.

No sertão da minha terra há bolo de milho e jabá, há jumento na estrada levando o caçuá, uma carroça passando cheinha de croatá. Um cavalo esquipador, na vaqueirama um voador, alegria do sertanejo que um dia já vaqueirou.

No sertão da minha terra tem pirulito de mel, tem panelada e sarapatel, tem bolinho de chuva e de céu, tem linha no carretel. De cumbuca é o cantil e de couro cru é o chapéu. E assim vivendo se vai na vida de déu em déu...

No sertão da minha terra tem chuva grossa e pinguinho, tem chuvarada e sereninho, tem tempestade e tiquinho do chuvisco já caído, mas um sol tão atrevido que chega como enxerido e vai se arvorando escondido e deixa tudo esmaecido.

No sertão da minha terra tem rolinha fogo-pagô, tem seriema sim sinhô, e de todo bicho que restou. Mas muito existe não, nem sabiá nem cancão e nem ave de arribação. Pouco é a cantoria onde o canto existia, no sertão mais a tristeza onde havia alegria.

No sertão da minha terra há cuscuz no amanhecer e qualquer coisa ao anoitecer. Não se escolhe o que comer nem o prato que vai ter. Primeiro come a criança, depois vem toda a restança da família em esperança.

Assim no sertão de minha terra. Assim em todo o sertão.


Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).

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