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SEÇÃO
Crônicas
30/03/2020 - 06h37
O que comer na pandemia
Henrique Fendrich
 

“Fique em casa”, disseram. Ele respirou com alívio, porque já fazia alguns dias que o vírus havia começado a circular na cidade, mas os seus patrões ainda não o haviam liberado. Só depois que toda a cidade começou a parar foi que lhe deram a ordem para que permanecesse em casa. Agora ele já poderia entrar em quarentena, como todos os outros. Não precisar andar de ônibus já diminuiria bastante as suas chances de contaminação. Mas ele tinha outros problemas que não sabia muito bem como resolver.

Chegou ao quarto em que vivia. Era ali que deveria passar os próximos dias, saindo só para o que fosse estritamente necessário. Não tinha, como os outros, a possibilidade de variar entre a sala e o quarto, a varanda ou a sacada - tudo o que havia ao seu dispor era um quarto e um banheiro. O espaço exíguo nunca havia sido um grande problema para ele, que rapidamente se acostumou ao lugar, mas é verdade que isso também significava abrir mão de algumas regalias. Por exemplo, não tinha um fogão. Primeiro, é pouco provável que juntasse dinheiro o bastante para comprá-lo. Mas, ainda que isso fosse possível, não teria onde colocá-lo. Nem mesmo um micro-ondas encontraria um lugar disponível ali.

O resultado disso é que precisava sair de casa para se alimentar. Nos dias de semana, quando ele já estava fora de casa trabalhando, isso não era grande coisa, pois todo mundo comia fora. Mas ele precisava fazer isso também aos sábados e domingos. Precisava andar pela vizinhança à procura de um restaurante aberto para almoçar nesses dias. E os restaurantes que abrem aos domingos costumam ser mais caros que os outros, mas ele não tem escolha. Vai a um desses restaurantes caros e não come até ficar satisfeito, mas até dar conta de pagar o preço.

Mas eis que agora ele precisa lidar com essa novidade: todos os restaurantes da cidade, sejam eles caros ou baratos, estão fechados, e ele ainda precisa comer, todos os dias, mesmo sem ter um fogão ou um micro-ondas. Seu primeiro pensamento foi o de desespero: “Vou passar fome!”. Depois se lembrou dos aplicativos de entrega de comida. Sim, claro, os aplicativos! A maioria da cidade se alimentaria dessa maneira! Só precisava baixar um aplicativo e pedir.

Baixou o aplicativo e começou a escolher o que iria pedir para almoçar. Ficou satisfeito ao ver preços muito baixos, quatro, cinco, sete reais... Isso ele estava em condições de pagar. Mas então soube que aquele era apenas o preço da entrega da comida. A comida mesmo, aquilo que serviria para alimentá-lo no período de quarentena, isso era muito caro. Até um pastel, até uma coxinha, sairia mais caro do que ele podia pagar. É claro, ele poderia gastar um pouco mais para comer um pouco menos, como costumava fazer nos sábados e domingos, mas o problema é que ele iria precisar se alimentar todos os dias da semana, e ter que pagar tanto assim todas as vezes acabaria com as suas finanças rapidamente. Desanimado, ele logo abandonou o aplicativo.

O jeito era comprar alguma coisa no próprio mercado, alguma coisa que fosse possível comer sem precisar esquentar. Mas o quê, em nome de Deus? Pães, bolachas, frutas, não havia muito mais o que pensar além dessas coisas. Lembrou ainda da aveia, que iria comer com leite frio. Essa seria a base da sua alimentação naqueles dias, naquelas semanas - sabe-se lá quando tempo de quarentena tinha pela frente! Ah, iria emagrecer, sem dúvida iria emagrecer, ele que já era magro demais. E devia agradecer se essa dieta não lhe trouxesse alguns problemas de saúde.

Voltou do mercado, guardou as compras e se deitou na cama, desanimado e sem fome. Ainda tinha que resolver o problema da lavanderia.

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