Selfius, o deus das imagens, acordou de mau humor e resolveu pegar os humanos de jeito. Não é de hoje que estão pedindo uma lição, pensou ele. Bons tempos aqueles em que fotografar era sinal evidente de riqueza, em que retrato da família era um só - quando havia. Vocês despertaram minha ira. Terão o merecido castigo por fazer o concurso do umbigo menos feio e do mais fundo. Da banana mais parecida com a da capa do disco do Velvet Underground. Da coxinha de jaca mais sexy de Catanduva. A partir de hoje, do extremo da Austrália ao Alaska, só escapará da minha sentença o que já está em papel fotográfico, preto-e-branco ou colorido. São as que valem o salvamento, pois cada pose foi pensada para se eternizar entre quatro cantoneiras, de preferência em algum álbum com capa de madrepérola e madeira marchetada. Varrerei de céus e terras toda foto digitalizada, não sobrará nem retrato de passaporte. Farei acontecer um brutal redemoinho de bytes e pixels, que esvaziará até as lixeiras dos celulares. Cliques arquivados em todos os dispositivos serão perdidos e novos não poderão ser salvos, por mais que se esforcem analistas de sistemas, profissionais de TI e empresas de informática. Praças serão tomadas por lambe-lambes, que darão o troco pela aposentadoria compulsória que tiveram. O bom, velho e esquecido PB será vintage. O chic. O retrô da vez. Reabilitarão as cantoneiras sem função e os álbuns com capa de madrepérola e madeira marchetada. Esta é uma obra de ficção.
Nota do Editor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário em Campinas (SP), beatlemaníaco empedernido e adora livros e filmes que tratem sobre viagens no tempo. É colaborador do jornal O Municipio, de São João da Boa Vista, e tem coluna em diversas revistas eletrônicas.
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